O porco não é o culpado pela porcaria dos outros
Por Leonardo Sakamoto
Publicado por kassu - 19/08/2009 às 22h57
Publicado por kassu - 19/08/2009 às 22h57
Apontada como responsável por diversos danos ambientais, a suinocultura industrial em Santa Catarina reúne uma das maiores concentrações de porcos do mundo. Confinados em pequenos espaços, eles já somam 50 milhões – ou seja, 10 suínos para cada humano. Sete em cada dez porcos da região pertencem a cinco agroindústrias. Enquanto impulsionam seus lucros, as empresas assumem um discurso vagamente humanitário.
As contradições, bem como os impactos ambientais, sociais e econômicos desse modelo, são os temas analisados pelo documentário “Espírito de Porco” (Brasil, 2009), dos jornalistas Chico Faganello e Dauro Veras. Posto alguns trechos da ótima resenha do jornalista Maurício Reimberg, aqui da Repórter Brasil, sobre o filme:
Em tom didático e irônico, a obra busca mostrar a “cadeia de responsabilidade” que molda o setor, envolvendo produtores, governos e consumidores, nem sempre conscientes do papel que desempenham neste processo. Santa Catarina possui o maior rebanho do país, com cerca de 17,5% da produção nacional. Boa parte desses estabelecimentos desrespeita normas ambientais básicas.
Na tarefa de mostrar “onde o homem se emporcalha e o porco se humaniza”, o documentário adota um foco narrativo “suinocêntrico”. No filme, um porco abatido volta à terra, na condição de espírito, para apontar a responsabilidade dos humanos na exploração da atividade. Provocação? Na verdade, a opção pela “comédia das semelhanças” é, sobretudo, uma estratégia de abordagem para o caráter “irreal” deste modelo de negócio, que reúne a ganância dos produtores, as demandas e ditames do comércio internacional, a débil fiscalização do Estado e a desinformação do consumidor final.
O material de pesquisa foi obtido através de depoimentos e conversas com suinocultores, trabalhadores, especialistas e com a população da região de Seara, Concórdia e Arvoredo, em Santa Catarina. As primeiras exibições públicas do filme ocorreram no início de julho no município de Seara (SC). A partir da segunda quinzena de setembro, o filme deve ser veiculado em Florianópolis e em outras pequenas cidades do interior catarinense.
Os diretores estão tentando viabilizar um projeto de difusão e têm planos para produzir uma versão para a televisão. Em 2010, a íntegra da obra deve ser disponibilizada na internet. “O foco central do filme é sobre a responsabilidade ambiental”, afirma Chico Faganello. “Espírito de Porco” foi selecionado para o 11º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica), entre 556 obras de 55 países. O festival foi realizado em junho em Goiás (GO).
De acordo com a pesquisa feita por Eliane Faganello de Som para o filme, as primeiras agroindústrias no oeste de Santa Catarina surgiram na década de 1940, com o objetivo de beneficiar a carne suína e os grãos de cereais. A partir da década de 1970, impulsionada pelo Estado e amparada pelo modelo integrado de produção, a atividade se ampliou desordenadamente, sem considerar critérios de sustentabilidade ambiental.
“Espírito de Porco” evidencia o resultado desse processo histórico ao acompanhar todas as etapas de produção numa fazenda, desde a separação dos porcos por tamanho - machos de um lado e fêmeas de outro -, passando pelo acelerado sistema de engorda, no qual os porcos chegam a ganhar 400 gramas por dia. Um “bom reprodutor”, em sua vida útil, gera até três mil descendentes. No estágio final, ficamos sabendo que a suinocultura industrial já fala em “abate humanitário”, que utiliza um gás para matar os porcos.
Neste sistema de produção, os porcos mais velhos viram linguiça e mortadela. Já os mais jovens são aproveitados para a fabricação de pernis e costelas, pedaços maiores e nobres. Além da alimentação humana, os porcos geram mais de 100 produtos, como fertilizantes, gás, biodiesel, sapatos, escovas, vassouras, luvas, casacos, bolsas, carteiras, insulina, válvulas cardíacas e sabonetes. Até obras de arte já foram feitas com pincéis de pelo de porco.
Um suíno pode produzir cerca de 7 litros de dejetos por dia. Em “Espírito de Porco”, há imagens impressionantes das lagoas de excremento e urina. Essa grande quantidade dos dejetos oriundos da produção não é tratada antes de ser lançada no meio ambiente, e infecta os rios, os córregos, a terra e o ar. Estima-se que mais de 80% das águas da região oeste de SC estão contaminadas. A poluição ameaça inclusive o maior aqüífero de água doce potável do mundo, o Guarani.
Com o manejo incorreto dos dejetos, a poluição causa danos à biodiversidade, provoca alteração climática, e prejudica a saúde da população. Fósforo e nitrogênio, oriundos da suplementação alimentar, são os piores poluentes. Em excesso, afetam a camada de ozônio, e envenenam peixes, plantas e pessoas. Os compostos nitrogenados podem inclusive ter relação com o câncer.
Alternativas, como demonstra o documentário, não faltam. A compostagem, a utilização de biodigestores e de outros sistemas de tratamento dos dejetos podem amenizar o problema, dependendo da análise em cada região. Os excrementos produzem ainda gás que pode virar energia para iluminar e aquecer, mas os entraves burocráticos e falta de incentivo oficial fazem com que essa potencialidade ainda não seja devidamente aproveitada.
Na metáfora proposta por “Espírito de Porco”, fica nítido que, enquanto a incensada responsabilidade social das empresas não saltarem da teoria à prática e os consumidores não assumirem o seu papel de cidadãos conscientes na cadeia produtiva, vai ser difícil eliminar a sujeira nociva e dissipar o seu odor fétido. Nos chiqueiros e fora deles.
Abaixo, o trailer do documentário:
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