quarta-feira, 8 de abril de 2009

Merenda terceirizada nas escolas públicas

Deputado Carlos Abicalil entrega nesta terça-feira relatório final da medida provisória 455/09. Texto contraria movimentos sociais ligados à agricultiura familiar

Publicado por Kassu - 08/04/2009 às 00h30
AGUA BOA NEWS



Abicalil nega as críticas de abertura à terceirização

Renata Camargo

O deputado Carlos Abicalil (PT-MT) entrega nesta terça-feira (6) o relatório final sobre a medida provisória 455/09, editada pelo governo para regular o fornecimento de merenda escolar no país. “Tendo a manter os principais pontos da medida provisória e fazer poucas alterações”, afirmou o relator em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.

Entidades da sociedade civil acusam o governo de usar a MP para consolidar a terceirização da alimentação escolar e limitar a participação de agricultores familiares no fornecimento da merenda. Abicalil contesta as criticas. “Não abre para a terceirização. Essa é uma falsa relação entre causa e efeito”, diz o relator.

Desde o ano passado, tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado um projeto de lei semelhante ao texto da MP 455. O PL, elaborado junto a entidades e representantes ligados às áreas de educação, nutrição e segurança alimentar, contém itens que foram suprimidos da medida provisória.

Mais de 50 entidades protestam contra essas mudanças e afirmam que o Congresso tem cedido a pressões de indústrias alimentícias e empresas privadas de merenda escolar. Em fevereiro, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) encaminnhou ao presidente Lula uma série de recomendações para que fossem revistos alguns pontos da medida provisória. (leia)

Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida na última quinta-feira (2).

Congresso em Foco: Qual a importância dessa medida provisória?

Relator: Essa MP entra no contexto de ampliação das responsabilidades de Estado no atendimento ao direito à educação brasileira. Primeiro grande aspecto é a extensão do programa de alimentação escolar e do apoio ao transporte escolar para o conjunto da educação básica. No caso da merenda, incluindo o ensino médio, que anteriormente não era contemplado, e no caso do transporte escolar, também fazendo a repartição dos recursos diretamente a responsabilidade de quem tem as matrículas. Essa transferência direta de recursos é um avanço significativo para a garantia que o serviço seja aportado lá na ponta. Do ponto de vista da alimentação escolar, há também uma série de quesitos de controle social, de controle da qualidade e de fortalecimento da economia local, sobretudo ao que tange ao aproveitamento da agricultura familiar. Nesses aspectos que estruturam o novo modelo de gestão pública dos recursos da merenda, apostam na eficiência da descentralização e inferem os recursos da merenda como um fator dinamizador da economia local, são muito oportunos especialmente para a superação das desigualdades regionais e para o desenvolvimento de arranjos produtivos locais.

Em relação à agricultura familiar, existem condições na MP que, segundo o setor, dificulta a participação do agricultor familiar no processo. Como tratar isso?

Não são restrições. Estive com representantes do Consea há cerca de três semanas, e o que eles entendem como restrições, no caso do funcionamento de recursos públicos, são garantias para o gestor e para o produtor. Ter CNPJ, emissão de nota fiscal, etc., são por um lado segurança para transparência do recurso público. Por outro lado, é garantia, inclusive, do direito previdenciário do agricultor familiar. Nesse sentido, o que está sugerido na medida provisória como mecanismo de controle é, a meu juízo, uma aposta na transparência e na formalização do trabalho da agricultura familiar. Não são medidas restritivas, até porque é inexistente uma regulamentação nessa direção. E isso provoca insegurança para o gestor e desconfiança para o controlador, o que não é um ambiente favorável à agricultura familiar no meu entendimento. O que há é um estímulo à organização cooperativa e à prática de programas de economia solidária. Essas são garantias importantes para a formalização e para a própria atividade como arranjo pr
odutivo, e não como mera condição de distribuição de renda.

No PL que tramita no Senado, a aquisição, o preparo e a distribuição da alimentação escolar devem ser responsabilidade do ente público. Esse artigo foi retirado da MP. Isso abre brecha para a terceirização?

Não abre para a terceirização. Essa é uma falsa relação entre causa e efeito. A MP configura o ente público como sendo o administrador do recurso e reconhece que existem hoje ‘n’ formas de fornecimento da merenda. A avaliação de alguns setores do Consea de que a medida provisória abre a possibilidade de terceirização é falsa. Essa possibilidade já é fato. Ela não é resultante da medida. O que a MP faz é, primeiro, reconhecer que há uma realidade, que é múltipla, e dentro dessa realidade dar orientações que sejam universais para qualquer modalidade. Há outros entes públicos que têm a confecção da merenda final direta, mas aquisição, seleção e armazenamento contratados por empresas. Há ente público que adquire os nutrientes, alimentos e insumos e contrata confecção final da merenda a cozinhas industriais. Temos três a quatro variações, que a medida provisória procura definir isso como fato e regulamentar todas elas.

Alguns educadores e nutricionistas argumentam que as empresas terceirizadas não se preocupam com o papel pedagógico da alimentação escolar. O senhor concorda?

O fato de ter uma cozinha dentro da escola tão pouco garante essa concepção pedagógica. O que garantirá é dentro do projeto pedagógico da comunidade escolar, esse componente de nutrição e a sua relação com o ambiente, com a cultura, com a saúde, sejam constitutivos do processo pedagógico. Isso vale para cozinhas instaladas dentro do processo de ensino e vale para cozinhas comunitárias e padarias comunitárias instaladas no bairro, que também são provedoras de merenda escolar e que são iniciativas apoiadas, por exemplo, pelo Programa de Economia Solidária. Isso vale para o problema de aquisição de alimentos do MDA [Ministério de Desenvolvimento Agrário], que não é diretamente vinculado à merenda, mas é subsidiário da merenda escolar. A concepção de que a nutrição do educando compõe um aspecto importante da prática pedagógica do currículo independe da presença física de uma cozinha no estabelecimento.

No PL que está no Senado, está prevista a obrigatoriedade do consumo de alimentos em seu estado natural, o que poderia, até mesmo, elevar o consumo de alimentos orgânicos. A MP retirou isso do texto. Como o senhor avalia essa questão?

Nós não podemos nessa ferramenta de lei, obrigar alguma coisa que vai provocar, inicialmente, uma elevação de custos. Alimentos orgânicos, por exemplo, tem um componente de custo e de preço maior. A medida não impede que os cardápios orientados pelos Conselhos de Nutrição Escolar, em havendo a disponibilidade de tais produtos, eles sejam adquiridos por livre iniciativa. O que não se pode é colocar uma camisa de força que não seria realidade na maioria do território nacional.

Segundo a MP, a responsabilidade técnica pela alimentação escolar e a elaboração dos cardápios cabe ao nutricionista. Há uma emenda que pede a retirada dessa obrigatoriedade. Qual a sua posição?

O nutricionista é apontado pela medida provisória para acompanhar a confecção do cardápio, inspecionar as condições de armazenamento, orientar o processo de elaboração da merenda e, portanto, ele não tem uma atividade que é necessariamente diária em todos os estabelecimentos de ensino. Não se pode prescindir da presença desses profissionais, acompanhando os procedimentos adequados à garantia de uma nutrição saudável para 54 milhões de brasileiros. O fato de a medida provisória prescrever a obrigatoriedade desse profissional de nutrição é muito salutar.

O que deve ser aperfeiçoado no texto original da medida provisória?

Algumas normas de controle podem ser aperfeiçoadas, inclusive sobre o contrato de empresas especializadas nesse processo de alimentação, que é uma das preocupações legítimas da sociedade civil, e também é, por outro lado, uma preocupação de gestores. As formas de aperfeiçoamento de controle dos gastos e de controle social dos contratos – desde os fornecedores de insumos até fornecedores do alimento final – precisam ser aperfeiçoadas e há emendas nessa direção.

Quais pontos da MP devem enfrentar resistência no Congresso?

Nós temos duas polaridades. O polo que entende que todo o processo deve ser diretamente exercido pelo ente público, portanto desde a seleção dos fornecedores até a entrega direta dos alimentos – o que a meu juízo não garante as condições alimentares adequadas nem o processo pedagógico. O outro é avesso a esse, em que ao ente público só cabe a gestão do recurso e tudo demais deve ser feito pela iniciativa de empresas privadas – o que é um dado irreal na enorme diversidade brasileira. Em torno desses dois polos há posições intermediárias que contribuem na melhoria do controle social, da transparência, do envolvimento da comunidade local nos arranjos produtivos e em uma nova dinâmica para fortalecer, sem dúvida nenhuma, a agricultura familiar.

A tendência é a Câmara aprovar a medida com mudanças que aproximem mais o texto do PL que tramite no Senado?

A medida provisória, que observou esse percurso do debate realizado na Câmara e Senado, procurou ser resultante de um processo que possa ter uma tramitação adequada e realizar aquilo que é consenso possível nesse momento. Razão pela qual eu tendo a manter os principais pontos da medida provisória e fazer poucas alterações. A tendência é caminhar na perspectiva de que a tramitação na Câmara não tenha divergências com o que é possível de aprovar no Senado. Até porque nosso entendimento é ter celeridade de aprovação aqui, se possível até antes da Páscoa, ou seja, na próxima semana. (Congresso em foco)

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