quinta-feira, 16 de abril de 2009

Um filme de Nilson Villas Bôas

Trechos do diário do diretor do documentário mostra um povo indígena cheio de esperança

Produção SETCINE
Publicado por Kassu - 16/04/2009 às 14h00
AGUA BOA NEWS


Três dias até Canarana (MT), com estradas muito boas até a saída do Estado de São Paulo. Mas, trechos terríveis em Minas Gerais; e só buracos até atingir a BR-158, por onde escoa a soja do Mato Grosso. A partir daí a estrada é bem cuidada.
Este foi o panorama encontrado pela equipe, desde a saída de Jundiaí (SP), no último dia 7 de outubro.


Na passagem por Barra do Garças (MT), alguns vestígios da história da Expedição Roncador-Xingu e muito calor. Saindo de Barra do Garças, bem na primeira luz do dia, lindíssimas fazendas de soja amarelando a paisagem até o horizonte. A partir daí não se vê mais nada a não ser fazendas de soja. Parece que o Brasil vai mesmo matar a fome do mundo.

Canarana impressiona. Ruas larguíssimas e avenidas com cinco pistas revelam que os planos para esta cidade não são pequenos: futura capital da soja. Tomando o rumo da aldeia Ksêde (os índios não gostam da denominação Suyá que lhes foi dada por outras tribos), a investida da soja mostra seu lado mais violento.

São quilômetros e quilômetros de áreas totalmente devastadas, queimadas, sendo preparadas para o plantio da soja. Só que nessa região, longe dos olhos de todos, matas ciliares vão sendo destruídas e a soja vai chegando às margens dos rios. São as fronteiras do Parque Indígena do Xingu, o PIX. As cabeceiras dos rios formadores da Bacia do Xingu estão condenadas...


Logo na ponta leste do parque, os ksêde atuam como vigilantes. Tensos, já sentem a poluição chegando pelos rios às suas aldeias. Com bordunas nas mãos, garantem que não aceitarão passivamente a destruição do seu habitat natural. A equipe da SetCine chegou à aldeia do cacique Kuyussi guiada por um membro da tribo Ksêde. Na Casa dos Homens, no centro da aldeia, totalmente pintada, uma comissão de uns vinte guerreiros, com suas bordunas nas mãos, recebeu-a num ritual emocionante.


Depois da apresentação e de dizer o motivo da visita, os kuyussi acolheu a equipe – não antes de alguns minutos dramáticos, onde os índios conversaram seriamente entre si, em sua língua, aumentando a ansiedade de todos. Sob o comando de Kuyussi, os índios se levantaram e foram todos dar as mãos aos integrantes da equipe, um a um...

A apresentação da equipe a toda a comunidade se deu durante a noite escura, com tempo fechado e com um canto no meio da aldeia que relatava a todos o que aqueles homens faziam ali. Tudo muito arrepiante...!
Durante três dias, a aldeia viveu em festa, com a participação de todos nas cerimônias, cantos e danças. Era evidente o orgulho dos ksêde ao revelar a sua cultura para a câmera.

No dia 14, a equipe partiu para o Posto Indígena Diauarum, no baixo Xingu. Foi uma linda viagem pelo rio Suyá-Missu, até o posto no Rio Xingu. Depois, a equipe partiu para a aldeia Kaiabi (do Capivara), onde membros de várias aldeias kaiabi realizariam um grande painel de suas festas para a câmera da SetCine.


VIAGEM AO POSTO INDÍGENA DIAUARUM

Depois de um rápido “moitará” com a comunidade Ksêde, a equipe embarcou nas duas Hilux oferecidas pela Toyota do Brasil (patrocinador desta fase do projeto), rumo às margens do rio Suyá-Missu, sempre acompanhada do novo amigo Yokumbere, genro do caíque Kuyussi e mediador das relações entre a equipe e os Ksêde que não falavam o português.



Difícil foi convencê-los que as Hilux não poderiam entrar no ‘moitará’ (transação que envolve a troca de produtos, num evento característico do Alto Xingu, e que pode ser de dois tipos: realizado entre casas da mesma aldeia ou entre aldeias distintas).
Depois de vencer uns 70 quilômetros de trilhas dentro da Floresta Amazônica, tirando no machado árvores derrubadas pela chuva, a equipe chegou à margem do Suyá-Missu. Daí pra frente o único caminho era o rio.

Então, a equipe embarcou os equipamentos em duas voadeiras e desceu o Suyá-Missu até desembocar no lendário Rio Xingu. O barqueiro e guia nesta etapa era Kamany, um índio de etnia mista Ksêde/Kaiabi e chefe do Posto Indígena Diauarum.

Ao entrar no Rio Xingu, foi possível avistar o Diauarum, no alto da barranca. O Diauarum é o Posto Indígena mais habitado e movimentado do parque. É a grande base operacional da Unifesp para o tratamento da saúde dos índios, atendendo toda a região do baixo Xingu.

Ali, o Instituto SócioAmbiental também tem a sua base maior de trabalho – dentro do Parque Indígena do Xingu. Nesses dois dias que a equipe da SetCine ali permaneceu, o ISA reunia lideranças de todo o baixo Xingu, num curso de preparação de gestores indígenas, cujo assunto ainda será tratado, neste site, em matéria especial.

VIAGEM À ALDEIA KAIABI (Capivara)

Depois de dois dias de negociações com os índios, a equipe de produção seguiu para a aldeia Kaiabi onde foi recepcionada de forma especialmente carinhosa pela comunidade. Foram mais dois dias ininterruptos de festas registradas em detalhes pela câmera.



Os kaiabi formam a etnia mais numerosa do Xingu – segundo o Instituto SocioAmbiental vivem no PIX mais de 700 dos 1.000 integrantes da etnia.

Danças, cantos, histórias de suas origens, cultura, além do grande conflito vivido pelos mais velhos, nascidos na região do Rio Telles Pires; e os mais novos, a geração Xinguana, formam este povo.

Os velhos têm saudades das terras da infância e os mais novos pleiteiam e articulam anexar um território a oeste do PIX, pertencente a suas terras de origem, onde podem encontrar toda a matéria-prima que tradicionalmente era utilizada em seus artesanatos e utensílios.

Os jovens não querem sair do Xingu, mas são sensíveis e apóiam o direito reivindicado pelos mais velhos.

Também os Kaiabi têm plena consciência da ameaça às cabeceiras dos rios da Bacia do Xingu. E, via Atix, o povo se articula em defesa própria. Mairauê, uma das principais lideranças Kaiabi, com muita clareza, em seu depoimento, diz que a questão é grave. Mas, mais grave ainda é a invasão da cultura do branco, que chega pelas novas estradas da soja.

Ninguém é contra a soja, mas os índios não querem essa destruição do meio ambiente do qual eles dependem, e do qual os brancos também precisam.
Dois dias depois, a equipe partia para a aldeia Ikpeng, cujos índios também são conhecidos por “Txicão”.

Texto baseado nos depoimentos do diretor do documentário Roncador-Xingu, Nilson Villas Bôas

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