Livro que virará filme em MT com Brad Pitt chega ao Brasil
Enviado por Carlos Eduardo Lemos
Edição: Meider Leister
Na sua mais conhecida fotografia, Percy Harrison Fawcett encara a câmera com seriedade, cigarrilha na boca, um capacete de caçador, casacão de couro, botas quase no joelho e um vistoso bigodão. É o retrato de um homem destemido, elegante e, talvez, um pouco doido.
Suas aventuras inspiraram Arthur Conan Doyle, o pai de Sherlock Holmes, a escrever “O Mundo
Perdido”, em 1912, no qual o personagem principal, o professor Challenger, descobre dinossauros em plena Amazônia. Fawcett também serviu de modelo a um mito de Hollywood, o arqueólogo Indiana Jones, vivido por Harrison Ford.
Nunca ouviu falar? Tudo bem, mas desconfio que não será mais possível ignorar a história de Fawcett depois que Brad Pitt vestir aquele capacete e deixar o bigode crescer. Em fase de pré-produção, o filme que transformará o explorador inglês num ícone global, a ser dirigido por James Gray (de “Os Donos da Noite”), tem filmagens previstas para 2010 – no Brasil, precisamente no Estado de Mato Grosso.
A superprodução hollywoodiana toma por base o livro “The Lost City of Z”, de David Grann, lançado em fevereiro deste ano e, imediatamente, transformado num best-seller. O livro está chegando às livrarias no Brasil, com o título “Z, a Cidade Perdida - A Obsessão Mortal do Coronel Fawcett em Busca do Eldorado Brasileiro”, que está saindo pela editora Companhia das Letras.
Repórter da “New Yorker”, Grann é o enésimo pesquisador a se interessar pela última – e mais fascinante – aventura de Fawcett, iniciada em 20 de abril de 1925, em Mato Grosso, e jamais encerrada.
Fawcett desapareceu um mês depois de partir de Cuiabá, na companhia do filho Jack e de um amigo deste, Raleigh Rimmell, dois ajudantes brasileiros, oito mulas e dois cavalos. O arqueólogo, que já havia estado diversas vezes no Brasil, buscava vestígios de uma civilização antiga, desaparecida, que ele tinha certeza existir no coração da Amazônia.
Nascido em 1867, na Inglaterra, Fawcett, como muitos de seus contemporâneos, tinha fascínio por aventuras no “mundo desconhecido”. A serviço do governo britânico, trabalhou no Ceilão. Também foi agente secreto em diferentes missões na África.
Em 1906, a famosa Royal Geographical Society inglesa foi encarregada, como parte neutra, a ajudar a desenhar mais claramente as fronteiras entre Peru, Bolívia e Brasil. Fawcett liderou a missão. Proibiu seus homens de atirar contra os índios e conseguiu cumprir a tarefa.
Em 1908, numa missão ainda mais perigosa, foi encarregado de localizar a fonte do Rio Verde, entre o Brasil e a Bolívia. Sem comida no meio da aventura, um dos homens do coronel deitou no chão e pediu para ser deixado para trás. Reza a lenda que Fawcett teria dito: “Se é para morrermos, vamos morrer andando”.
David Grann pinta um retrato generoso de Fawcett. Sensível, era um defensor da cultura indígena, de quem conhecia vários línguas e dialetos, e criticava a exploração e a colonização dos índios pelos brancos. “Minha experiência é que poucos desses selvagens são ‘maus’, a menos que o contato com ‘selvagens’ do mundo exterior os tenham deixado assim”, disse Fawcett certa vez.
Um dia, na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, consultando velhos documentos, descobriu uma carta, escrita por um aventureiro português, em 1753, na qual era descrita a descoberta de uma grande e escondida cidade desabitada na Amazônia. Para Fawcett era a prova da existência de uma civilização antiga, que ele batizou de “City of Z”.
A erupção da Primeira Guerra interrompeu seu plano de partir em busca da cidade perdida. Com quase 50 anos, foi voluntário na guerra – e condecorado como herói.
Mas ficou obcecado pelo assunto. Em 1920, Fawcett conseguiu armar a sua primeira expedição para o Mato Grosso, que foi interrompida na metade, depois que contraiu uma doença e enfrentou febres e delírios na selva.
Em 20 de abril de 1925, depois de conseguir vários apoios, ele deu início à segunda expedição. Tinha 57 anos. Um pouco paranóico, não dizia a ninguém a exata localização da cidade perdida. Há quem especule, até, que Fawcett deu falsas coordenadas de sua localização, nas cartas que enviou da expedição para a Inglaterra. Tinha medo de ser seguido.
Com tanto mistério envolvido, não é de espantar o fascínio que a expedição de Fawcett – acompanhada pela imprensa da época – e o seu desaparecimento causaram na opinião pública. O governo brasileiro chegou a proibir, a certa altura, expedições de busca ao coronel. Estima-se que mais de 100 pessoas morreram ao longo de duas dezenas de expedições destinadas a encontrar Fawcett ou, ao menos, os seus restos mortais.
Há inúmeros relatos sobre a aventura de Fawcett e, também, sobre os que se aventuraram a procurá-lo. O escritor Antonio Callado (1917-1997) participou de uma dessas expedições, em 1952. O relato de sua viagem resultou no livro “O Esqueleto na Lagoa Verde”, que será relançado em 2010 pela Companhia das Letras, dentro da coleção Jornalismo Literário.
Foi a primeira viagem de Callado à região do Xingu, cenário posteriormente de seu famoso romance “Quarup”. O escritor integrou uma expedição destinada a averiguar se uma ossada encontrada na região onde Fawcett desaparecera pertencia, de fato, ao explorador.
Quando Callado e outros jornalistas chegaram ao local, já havia sido descoberto que os ossos não eram de Fawcett, mas de alguém muito menor que ele. A comitiva foi até o último ponto conhecido da expedição do arqueólogo britânico, a tal Lagoa Verde, perto do rio Manitsauá (ou Manissauá). Com ironia fina, Callado traça um retrato reverente, mas desmistificador de Fawcett. Escreve ele:
“Uma das coisas que irritam no finado Percy Harrison Fawcett, da Real Artilharia britânica, nascido em 1867, é a naturalidade com que ele criou os seus próprios acidentes geográficos. Há na sua história um irritante Campo do Cavalo Morto (Dead Horse Camp) que absolutamente não existe nos mapas do Brasil.”
O que difere a expedição do repórter americano David Grann, que resultou no livro “The Lost City of Z”, é que ele não apenas foi em busca da história de Fawcett, mas também da cidade perdida que o arqueólogo acreditava existir na Amazônia. Com a ajuda do arqueólogo Michael Heckenberger, Grann afirma ter encontrado vestígios do que parece ter sido uma cidade.
Com o esforço de Grann, o bom humor de Antonio Callado e, em breve, com o carisma de Brad Pitt, Percy Harrison Fawcett prepara a sua volta gloriosa. Quase 85 anos depois de desaparecer, está mais presente do que nunca. Essa reportagem foi publicada originalmente na revista “Homem Vogue”.
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