POETA SANTARENO - RUY PARANATINGA BARATA

Uma pérola que encontrei do Santareno - Ruy Guilherme Paranatinga Barata
Ruy Guilherme Paranatinga Barata (Santarém, 25 de junho de 1920 — São Paulo, 23 de abril de 1990) foi um poeta, político, advogado, professor e compositor brasileiro.
CANÇÃO DOS QUARENTA ANOS
Poema suspende a taça pelos dias que vivi,
Espelho, diz-me em que jaça mais fiel me refleti.
Quarenta anos correram e neles também corri.
Quarenta anos, quarenta ! (Quantos mais ainda virão ?)
Morrerei hoje de infarto ou amanhã de solidão ? Serei pasto da malária ? Serei presa do avião ?
A morte engendra a esperança. A morte sabe fingir. A morte apaga a lembrança da morte que vai ferir. E em cada instante que passa a morte pode surgir.
Quem pode medir um homem ? Quem pode um homem julgar ?
Um homem é terra de sonhos, sonho é mundo a decifrar, naveguei ontem no vento, hoje cavalgo no mar.
Hoje sou. Ontem, não era. Amanhã, de quem serei ?
Um homem é sempre segredos. (Por qual deles purgarei ?)
Dos meus netos, qual o neto, em que me repetirei ?
Que virtudes foram minhas ? Que pecados confessar ? Que territórios de enganos a meus filhos vou legar ?
A quem passarei meu canto quando meu canto passar !
Ah! como a vida é ligeira ! Ah! como o tempo deflui !
Este espelho não mais fala da criança que já fui, das minhas rugas ruindo apenas um nome rui
Quedê rede balançando ? Quedê peixinhos do mar ?
Quedê figo da figueira pru passarinho bicar ?
E o anel que tu me deste em que dedo foi parar ?
Dezembro chama janeiro, (fevereiro vai chamar ?)
Monte-Cristo se me visse não iria acreditar.
Como está velho, diria a donzela Dagmar.
Um homem cresce espalhando o reino em que foi feliz.
Onde Athos ? Onde Porthos ? Onde o tímido Aramis ?
Um homem cresce querendo e cresce quando não quis.
Crescer é rima de vida mas também é de morrer.
Crescer é terna ferida, que só dói no entardecer.
Em cada raiz da morte há sempre um verbo crescer.
E cresço: macho e poeta.
(Subo em linha, volto em cor) cresço violentamente, cresço em rajadas de amor,
cresço nos filhos crescendo, cresço depois que me for.
Cresço em tempo e eternidade, cresço em luta, cresço em dor, não fiz meu verso castrado nem me rendo ao opressor, cresço no povo crescendo, cresço depois que me for.
E cresço na aurora livre galopando esse corcel. cresço no verso espumando entre as linhas do papel.
cresço rubro de esperança na barba de Don Fidel.
Quarenta anos, quarenta ! ( E nem sequer percebi ! )
Quarenta anos correram e neles também corri.
E nesses quarenta anos,
Oitenta de amor por ti.
Ruy Barata - Violão de Rua - 1962
(Cadernos de Povo Brasileiro).
Garimpagem Tony de Sá
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