quinta-feira, 27 de maio de 2010

POETA SANTARENO - RUY PARANATINGA BARATA

Por Silvio Jr / Voz - publicado por Kassu

Uma pérola que encontrei do Santareno - Ruy Guilherme Paranatinga Barata

Ruy Guilherme Paranatinga Barata (Santarém, 25 de junho de 1920 — São Paulo, 23 de abril de 1990) foi um poeta, político, advogado, professor e compositor brasileiro.

CANÇÃO DOS QUARENTA ANOS

Poema suspende a taça pelos dias que vivi,

Espelho, diz-me em que jaça mais fiel me refleti.

Quarenta anos correram e neles também corri.

Quarenta anos, quarenta ! (Quantos mais ainda virão ?)

Morrerei hoje de infarto ou amanhã de solidão ? Serei pasto da malária ? Serei presa do avião ?

A morte engendra a esperança. A morte sabe fingir. A morte apaga a lembrança da morte que vai ferir. E em cada instante que passa a morte pode surgir.

Quem pode medir um homem ? Quem pode um homem julgar ?

Um homem é terra de sonhos, sonho é mundo a decifrar, naveguei ontem no vento, hoje cavalgo no mar.

Hoje sou. Ontem, não era. Amanhã, de quem serei ?

Um homem é sempre segredos. (Por qual deles purgarei ?)

Dos meus netos, qual o neto, em que me repetirei ?

Que virtudes foram minhas ? Que pecados confessar ? Que territórios de enganos a meus filhos vou legar ?

A quem passarei meu canto quando meu canto passar !

Ah! como a vida é ligeira ! Ah! como o tempo deflui !

Este espelho não mais fala da criança que já fui, das minhas rugas ruindo apenas um nome rui

Quedê rede balançando ? Quedê peixinhos do mar ?

Quedê figo da figueira pru passarinho bicar ?

E o anel que tu me deste em que dedo foi parar ?

Dezembro chama janeiro, (fevereiro vai chamar ?)

Monte-Cristo se me visse não iria acreditar.

Como está velho, diria a donzela Dagmar.

Um homem cresce espalhando o reino em que foi feliz.

Onde Athos ? Onde Porthos ? Onde o tímido Aramis ?

Um homem cresce querendo e cresce quando não quis.

Crescer é rima de vida mas também é de morrer.

Crescer é terna ferida, que só dói no entardecer.

Em cada raiz da morte há sempre um verbo crescer.

E cresço: macho e poeta.

(Subo em linha, volto em cor) cresço violentamente, cresço em rajadas de amor,

cresço nos filhos crescendo, cresço depois que me for.

Cresço em tempo e eternidade, cresço em luta, cresço em dor, não fiz meu verso castrado nem me rendo ao opressor, cresço no povo crescendo, cresço depois que me for.

E cresço na aurora livre galopando esse corcel. cresço no verso espumando entre as linhas do papel.

cresço rubro de esperança na barba de Don Fidel.

Quarenta anos, quarenta ! ( E nem sequer percebi ! )

Quarenta anos correram e neles também corri.

E nesses quarenta anos,

Oitenta de amor por ti.

Ruy Barata - Violão de Rua - 1962

(Cadernos de Povo Brasileiro).

Garimpagem Tony de Sá

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