sábado, 18 de junho de 2011

Roger Franchini conta a história do assalto ao Banco Central

a Luiz Biajoni / www.amalgama.blog.br

Dia 22 de Julho estreia em todo país o filme Assalto ao Banco Central, versão cinematográfica do maior assalto a banco de todos os tempos, ocorrido em Fortaleza em agosto de 2005. Foram mais de 160 milhões de reais, segundo estimativas oficiais. O filme promete ser sucesso de bilheteria, acompanhando o interesse do público por produções nacionais cheias de ação, atores globais e base em fatos reais.

Mas se você quiser saber um pouco mais sobre esse impressionante assalto, sem peripécias visuais ou atores bonitos, deve procurar por Toupeira, livro de Roger Franchini, lançado recentemente pela Planeta. Aliás, saber “um pouco mais” não: saber muito mais. Franchini é advogado, foi investigador da Polícia Civil até palpitar sobre o caso do Rolex roubado de Luciano Huck. Aproveitou o cisma para escapar da polícia e entrar para a literatura.

Na entrevista abaixo ele conta que escreve rápido e dá mostras que – antes de pensar de maneira pragmática, como advogados e policiais – não acredita em maniqueísmos. Esta talvez seja a maior qualidade para um grande escritor.


Amálgama: Roger, até 2009 você era investigador da Polícia Civil. Já havia a vontade de escrever, de se tornar escritor?
Roger Franchini: Sempre escrevi. Desde antes de ser policial. Mas era o clichê de guardar as histórias na gaveta e acabar por perdê-las. Em 2004 eu criei um blog na extinta Verbeat, onde relatava meu dia a dia como investigador. Como blog não tem gavetas, os textos ficavam lá, pendurados em algum lugar na internet. Algumas pessoas liam, poucas comentavam, e então percebi que havia leitores interessados naquilo que eu escrevia. “Tornar-me escritor” ainda é algo novo, sem referência de como é ser isso. Acredito que a figura consagrada do escritor, como detentor de um poder que pode transformar o mundo, tem uma áurea mágica em volta que nunca vou aceitar em mim.

Seu primeiro livro foi Ponto Quarenta: A Polícia Civil de São Paulo para leigos, que saiu pela OsViraLata e está esgotado. Qual foi a motivação para o livro e de que ele tratava?
A OsViraLata foi minha grande escola com o público. Foi com ela que aprendi a rotina de lidar com leitores, publicações, fluência de linguagem e essas coisas que fazem parte da obra impressa. O Branco (o criador da ViraLatas), nega a paternidade até hoje, mas sem ele grande parte da literatura independente no Brasil ainda seria conversa de boteco na Vila Madalena. O Ponto Quarenta é um trabalho pelo qual tenho muito carinho. Ele é um arremedo de várias histórias que tinha escrito no blog, e por isso é tão visceral. Por mais que eu tenha pintado no livro a Polícia Civil como irremediável, ele fez muito sucesso entre os policiais. Tem uma conexão com a realidade que não existia na literatura policial brasileira, e por isso ele é tão atual e presente. Foi minha despedida dos seis anos de polícia, e meu presente para os colegas que ficaram na luta.

Entre 2009 e 2011, em pouco mais de um ano, na verdade, você escreveu Toupeira: A História do Assalto ao Banco Central, onde você escreve, em forma de romance, a história do assalto e seu terrível desdobramento com os ataques do PCC no estado de São Paulo em Maio de 2006. Foi um processo bem rápido, hein?
Foi bem mais rápido do que isso. Recebi o projeto da Editora Planeta em Junho de 2010, e em outubro o livro já estava pronto. Não gosto de relê-lo, porque sempre quero mexer em alguma coisa que não me agrada, ou que deveria inserir. A proposta é uma delícia: contar uma história que parece já ter sido encerrada pelo trânsito em julgado e, portanto, indiscutível – como foi o furto ao Banco Central -, e evidenciar que tudo é uma questão de interpretação de quem lê os fatos. O que a imprensa, a polícia, o MP ou o judiciário disseram sobre o crime não é, necessariamente, a verdade sobre algo ou uma pessoa. Eu mostro ao leitor o que ocorreu, e deixo que ele faça seus julgamentos, de acordo com os valores de cada um.

O quanto há de verdade e o quanto há de ficção neste livro?
Os fatos objetivos, em si, são verdadeiros. A engenharia do buraco, as prisões, etc., tudo foi retirado do processo (fui a Fortaleza para pesquisá-lo). O que é ficção é a humanização dos acusados. Evidentemente, na frieza do fórum, todos os envolvidos são apenas números e documentos. Por isso criei os diálogos, e as personalidades foram nascendo de acordo com os relatos das principais peças dos autos. Há muitos vazios fáticos no livro, que acredito que não fazem falta para a narrativa, mas seriam imperdoáveis em uma investigação. Porque nossa proposta não é fazer uma obra jornalística, investigativa: é apenas contar uma história que agrade o público sem xingá-lo de mediano.

O livro começa com a rotina dos marginais que pensaram e executaram o plano. É impossível não simpatizar com esses bandidos. Proposital isso?
Em nenhum momento pensei em tomar partido. Pelo contrário. Sabia desse risco e evitei fazer julgamentos morais. Tive muita preocupação em apenas relatar o que li no processo. Mas como não contar a história grandiosa do maior furto a banco do mundo sem pensar que seus gestores são pessoas inteligentes e com grande capacidade política? Ocorre que estamos condicionados a entender as pessoas que cometem crimes como doentes sociais, que precisam ser segregados da sociedade porque são diferentes de nós, contribuintes e trabalhadores injustiçados pelo sistema. Quando pensamos em bandidos, vem à cabeça o viciado, implacável matador do pai de família no semáforo por qualquer ninharia. Mas a realidade da delegacia, infelizmente, não é tão simples assim. O criminoso, apesar de ter optado pela ilegalidade, também tem valores, família, anseios e sonhos como todo mundo. Claro que seus princípios éticos não são os mesmos que os nossos, por causa da violência que presenciam diariamente. Para eles, tudo é muito intenso e forte; ganha-se milhões em um dia, no outro está preso e, no dia seguinte, morto.

Podemos dizer que, na sua literatura, os homens são iguais, movidos a paixões, movidos pelo dinheiro, todos, bandidos e mocinhos?
Sem dúvida. Sempre acreditei que o fato de portar uma arma e distintivo não torna ninguém melhor ou pior, como se isso fosse um certificado de pureza de caráter ou sinal de antecedentes criminais sujos. São tão seres humanos, fracos e frágeis, como qualquer um, mas com autorização do Estado para invadir nossas vidas. É isso que os tornam tão fascinantes para a literatura. Os policiais, como os criminosos, têm sua própria ética, que também é diferente da nossa. Eles são obrigados a trabalhar com a ilegalidade diariamente; tem que investigar e desvendar crimes com as ferramentas da ilegalidade para, depois, torná-la útil para o poder judiciário dando uma aparência formal e burocrática de legalidade. E uma coisa que agradeço aos anos em que trabalhei como investigador é o olhar privilegiado sobre um crime. A dúvida sobre tudo e todos, principalmente quando o fato se torna inquestionável pela histeria da opinião pública. A polícia brasileira é um órgão usado pelas classes dominantes para tratar de seus rancores seculares, como o preconceito e a manutenção do poder político. Ainda serve como exército para um governante, como era em seu passado de “força pública”. Impossível um integrante dessa corporação não ceder a um breve momento de insanidade durante a carreira.

Já pensou em escrever ficção pura? Qual o próximo projeto?
Tenho muita coisa escrita. Ficção é a minha paixão, porque é a forma menos hipócrita que tenho para julgar a mim e os outros. O mercado dos romances policiais no Brasil, apesar da imensa demanda, é bastante precário e não atinge o anseio do grande público. Ainda se escreve pensando em ser livro da Fuvest, e não para agradar ao leitor. Trata-se o livro como um fetiche, uma obra sagrada que os menos abastados culturalmente têm que aceitar da forma como são feitos. Parece que a culpa por não se ler tanto no Brasil é sempre do leitor comum, um ser incapaz de entender as sutilezas da alma humana. Eu entendo que o escritor tem responsabilidade nessa relação. No segundo semestre será lançado pela Editora Planeta o segundo livro da coleção “Grandes Crimes”, sobre o caso da Suzane Richthofen. Diferentemente de Toupeira, nessa obra o grau de invasão sobre os fantasmas da classe média que permeiam nossos lares (notadamente a paulistana que comanda o país) está mais presente. Há também uma linguagem ficcional mais aparente. A história será contada pelos olhos de um incômodo investigador que trabalhou no caso.
Você é casado com uma escritora de livros policiais, a Olivia Maia. Quanto há de influência nisso, de um para o outro?
Tudo o que escrevo é por culpa da Olivia. É a melhor escritora brasileira do gênero, porque absorveu influências do que há de melhor na literatura mundial. Eu vivia o universo policial, mas isso só me servia para escrever boletins de ocorrência. Foi ela quem me apresentou os clássicos e me mostrou como o manuseio da linguagem pode imergir o leitor na obra. Acho que a ajudei na parte técnica, nos desenvolvimentos dos fatos da investigação policial. Vejo o reflexo disso nos últimos livros que ela lançou. Houve uma mudança na construção dos personagens; ela acabou tirando o foco da academia para colocar os pés na loucura da delegacia.

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