terça-feira, 19 de julho de 2011

Crianças cuidam de floresta na Bolívia

Giovanny Vera Stephanes
15 de Julho de 2011

“Às vezes eu entrava no mato com meus pais, mas era feio, dava medo”, diz Margarita Quete, menina de 12 anos da comunidade de Motacusal, “mas quando chegou o projeto BONI os pais e mães da comunidade se organizaram e nos deram um pedaço de floresta para que a gente o cuidasse, nos ajudaram a fazer as trilhas e agora já se pode andar por ai, porque ficou bonito e já não é perigoso”, explica.

Margarita se refere ao projeto BONI ou Floresta das Crianças (Bosque de los Niños, em espanhol), uma iniciativa concebida como uma estratégia de educação, desenvolvimento comunitário e conservação dirigida a crianças da área rural com o objetivo de revalorizar a floresta amazônica para sua conservação e manejo integral, ao mesmo tempo em que promove a consciência  comunitária. A iniciativa está baseada na entrega de um espaço de floresta às crianças para que elas o manejem e cuidem, voluntariamente, em sua totalidade.

O projeto foi iniciado em Bolívia no ano 2006 pela ONG Herencia através do Programa Amazônico Trinacional (PAT) Bolívia-Peru-Brasil, na comunidade de Curichón, dentro da Reserva Nacional de Vida Silvestre Amazônica Manuripi, e no ano 2008 a experiência foi replicada em Motacusal, onde mora a Margarita, e em outras comunidades amazônicas vizinhas. Atualmente existem seis Florestas das Crianças na região: Monterrey, Palacio, Motacusal e Irak em Bolívia; e Bélgica e Vila Primavera no Peru.

Floresta das Crianças

O projeto quer fortalecer os elementos próprios da cultura indígena-campesina amazônica e relacioná-los com o bem-estar comunitário e a conservação dos bosques, indica a publicação “A Floresta das Crianças na Amazônia Boliviana, de Herencia e Care Bolívia”.

Segundo a publicação, a inspiração para o início do projeto foi o programa Terra de Crianças, executado no Peru pela ONG Ania, dirigido às crianças da zona rural, “com o fim de promover o desenvolvimento de valores e atitudes de responsabilidade social e ambiental”. Consiste em um espaço físico outorgado por longo prazo às crianças, onde eles são os protagonistas de sua utilização, valoração e cuidado, tanto de recursos naturais como culturais, e a seu desenvolvimento sustentável, e são reconhecidos por isso.

Já a Floresta das Crianças em Bolívia está orientada a empreender “uma educação que valore a vida construindo conhecimentos e habilidades em harmonia com a natureza”, mas não fica só na educação, explica Gilda Ticona, técnica da Herencia, mas também promove a pesquisa, o manejo de produtos florestais não madeireiros da mata, enfatiza  também o fortalecimento da cidadania.

Redução do desmatamento

De acordo com Gilda Ticona, através do BONI são promovidos diversos benefícios para as comunidades e assim para a Amazônia, como a conservação das florestas através do uso sustentável de seus recursos, a redução do desmatamento, a diversificação da produção não focada em um só produto. Já na parte social, é fortalecida a cidadania, preparando futuros líderes, que desde crianças já participam ativamente em sua comunidade. Em Motacusal, “inclusive as autoridades já se estão involucrando na metodologia, em sua aplicação, e assim a liderança comunitária e municipal da maior valor à riqueza que cada região tem”, afirma.

As melhoras são confirmadas por José Hurtado, assegurando que “a comunidade antes da criação da Floresta das Crianças não estava organizada, cada família fazia seu trabalho e atividades sem coordenação com as outras famílias”, até que começou o projeto, o que os ligou e os identificou como uma comunidade unida. Agora, toda a comunidade está envolvida, desde as mães, os pais, os professores, os dirigentes e as crianças.

De acordo com a técnica de Herencia, os próximos passos são a consolidação dos BONI nas comunidades que estão começando o processo, dando-lhes apoio e motivação, além da experiência aprendida anteriormente, “preparando as crianças e o pessoal para a autogestão e a continuação do projeto através da sustentabilidade”. Gilda acredita que esta sustentabilidade pode acontecer com o envolvimento das autoridades políticas e educativas, buscando a inserção do projeto nos orçamentos municipais, convertendo a metodologia em política educacional, e também pela venda dos produtos não madeiráveis produzidos na Floresta das Crianças.

Atualmente Motacusal, uma comunidade de 20 famílias parece haver se convertido na escola das Florestas das Crianças, conta Margarita Quete, a menina citada no começo desta reportagem: “Agora vem à nossa Floresta crianças de outras escolas e colégios para aprender o que nos fazemos, e assim nos temos mais vontade de mostrar nossa Floresta da Criança”, garante Margarita.

Segredo do sucesso

Segundo Juan Fernando Reyes, diretor da ONG Herencia, três são os elementos fundamentais da Floresta das Crianças: a autogestão, a gestão integral da floresta e o bem-estar coletivo. Ele explica que a autogestão promove nas crianças o pensamento comunitário, a capacidade de autogoverno e a coesão social, e “implica trabalhar e dar atenção às crianças da mesma forma como se da à adultos, e envolve-los (pais, mães, professores, autoridades) na Floresta das Crianças”.

Em Motacusal, por exemplo, as crianças representantes do BONI fazem parte da máxima organização local, a Assembleia Comunitária, e são ouvidos pelos adultos e pela comunidade em seus pedidos e considerações. “Nossas crianças sabem manejar seus próprios produtos e respeitar os seres vivos da floresta, e nos - os pais – aprendemos a valorá-los e obter seus recursos naturais sem lhe causar dano”, afirma José Hurtado, castanheiro e dirigente comunitário.

Já a gestão integral da floresta fomenta seu manejo como um todo, promovendo sua revalorização através do uso de seus recursos naturais. Conhecer e aprender a usar estes recursos ajuda a mudar a percepção sobre a floresta, afirma uma publicação da Herencia, além de promover segurança alimentar mediante hortas ou sistemas agroflorestais. O confirma o professor rural Santiago Jofré, que diz que teve a “experiência de aprender e ensinar sobre a importância da natureza”, e agora em seu BONI as crianças tem uma horta que plantaram com a ajuda de seus pais, e tem cupuaçu, mamão e frutas cítricas.

E através do bem-estar coletivo é promovida a convivência social, a relação ética com a vida e a solidariedade, como em espaços ou ações no BONI, como a sede social, a criação de hortas, a aplicação de um sistema de manejo de lixo, etc. Por meio destes elementos é que o BONI se mostra diferente dos modelos convencionais de desenvolvimento, unindo o desenvolvimento material e espiritual conseguindo uma relação harmônica entre as pessoas e a natureza.

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