Os porquês da crise chinesa
Editado por Kassu - 05/03/2009 às 22h50
AGUA BOA NEWS
Por Raul Juste Lores, de Pequim
Talvez o mais didático dos economistas que conheci na China, o economista americano e professor da Universidade de Pequim Michael Pettis, 50, explica ponto a ponto abaixo os dilemas da China diante da crise mundial.
Crédito equivocado
Até agora, o pacote econômico de estímulo é muito vago, não provocou a confiança necessária. Por enquanto, com a redução da taxa de juros, houve um aumento considerável de crédito, mas esses empréstimos estão indo parar nas Bolsas, nas empresas em estado falimentar e nos investidores. Continua sem mudar o consumo, sem chegar à classe média, e nem se facilitou o crédito para as pequenas e médias empresas que geram mais empregos.
Capacidade excessiva
A China sofre por ser o reverso dos Estados Unidos. Os americanos tiveram crédito infinito para seus consumidores, que não pararam de gastar, enquanto os chineses tiveram crédito infinito para produzir. Agora, houve um colapso do comércio, dos mercados para os quais a China vende, mas não há mercado consumidor interno para absorver essa produção excessiva. O risco é a China querer exportar esse excedente de qualquer jeito e provocar um protecionismo contra o país em escala global.
Contração global
Como na Grande Depressão, de 1929, o mundo vive uma contração. A balança global de pagamentos precisa ser ajustada. Como atores-chave desse desequilíbrio, os EUA e a China precisam reconhecer seus papéis para resolver a crise. Os EUA precisam reduzir o gasto e seu consumo excessivo e a China precisa reduzir sua capacidade produtiva excessiva.
Guerra comercial
Se para combater a crise, a China contrata mais, exporta mais e há mais empréstimos para as empresas em dificuldades, mantendo seu excesso, há risco de uma guerra comercial. Os superávits na balança comercial da China com o resto do mundo não param de crescer. Eram de US$ 16 bilhões por mês, em média, há um ano. Em 2009, passaram dos US$ 39 bi. Hoje há 80% de probabilidade que isso aconteça. É uma luta inglória porque muitos empregos terão que desaparecer.
Não seria bom ter a Ásia como uma região que se sinta alvo de hostilidades do resto no mundo. Um novo Bretton Woods é necessário.
Novo Brasil
Na gestão do presidente Hu Jintao, a renda rural está crescendo, mais a diferença entre a vida no campo e na cidade é enorme. Talvez a China já seja hoje até mais desigual que o Brasil, o que é incrível.
A porcentagem do PIB que fica nas mãos dos trabalhadores diminuiu na última década. Para conseguir se tornar um país de consumidores, a China precisa valorizar o yuan, aumentar o valor dos salários, aumentar a taxa de juros e criar uma rede de segurança social, especialmente no interior, com educação, saúde e pensões. Mas essas transformações só são possíveis a meio prazo. A curto prazo, é impossível.
Responsabilidade da China
Parece que os governantes não estão compreendendo a parte da responsabilidade da China na crise, sua parcela de culpa. O mundo inteiro vai precisar fazer um ajuste e a China também. Nenhuma política será sem dor. A expansão do crédito na China precisa ser oposta a dos EUA. Lá eles precisam de mais investimento, mais produção, enquanto na China precisam de mais consumo.
As reformas dos anos 80 foram um sucesso, aumentaram a produtividade chinesa. Antes você não poderia vender alguma coisa na rua, no dia seguinte era permitido. Mas as reformas a partir dos anos 90 não eram sustentáveis.
Diminuir produção
Os chineses precisam de um ajuste doméstico, aumentar o consumo e diminuir a produção, algo bem difícil de se fazer. Durante a Grande Depressão, o excesso produtivo equivalia a 1% do PIB americano, enquanto o excedente chinês é de 10% do PIB. O ajuste precisará ser maior.
Shopping pelo mundo
A China até pode sair de compras pelo mundo, investindo, comprando grandes empresas, mas esse investimento não fará diferença. O que significam US$ 2 bilhões de investimento na Europa, se a União Européia perde para a China US$ 40 bilhões em déficit comercial?

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