quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Hildebrando: “A vida é uma dádiva divina”

Altino Machado
Publicado por Kassu -24/09/2009 às 22h47

Entrevista histórica, de julho de 1996, com o “homem da motosserra”


Nos primeiros dias de julho de 1996 telefonei para a casa do então deputado estadual Hildebrando Pascoal. Como correspondente do Jornal do Brasil no Acre, minha intenção era entrevistá-lo.

Aos 43 anos, Pascoal estava sendo acusado pelo Ministério Público Federal de liderar um grupo de extermínio ligado à Polícia Militar do Acre, responsável por dezenas de assassinatos e com ligações com o narcotráfico, o que motivou um pedido de intervenção federal no Estado.

A situação se tornou insustentável a partir do dia 30 de junho daquele ano quando, num posto de gasolina, o subtenente reformado Itamar Pascoal, irmão de Hildebrando, foi assassinado pelo pistoleiro piauiense Jorge Hugo Júnior, o Mordido, por causa de uma negociação que envolvia a libertação de um traficante do presídio estadual.
Hildebrando e o primo dele, o coronel Aureliano Pascoal, que comandava a PM, foi acusado pelos procuradores da República de se servirem da corporação como lideres da vingança da morte de Itamar.

O mecânico Agilson Firmino dos Santos, o Baiano, vítima de uma sessão de tortura, foi assassinado porque ajudou o assassino de Itamar a fugir. Ainda vivo, baiano teve seus olhos perfurados, braços, pernas e pênis amputados com a utilização de uma motosserra, além de um prego cravado em sua testa e vários tiros na cabeça.
Wilder, filho de Baiano, de 13 anos, que era excepcional, também foi torturado até a morte para revelar o paradeiro do pai. Clerisnar, mulher do assassino de Itamar Pascoal, chegou a ser sequestrada com duas crianças e levada para São Paulo.
Na ocasião, Hildebrando era o homem mais influente das famílias Pascoal e Bandeira, originárias dos estados do Ceará e Pernambuco, e que figuram entre as mais tradicionais do Acre.

Dentro e fora da PM, o carisma do coronel, 1,90m, podia ser medido pela votação que obteve num estado onde com até 600 votos se elegia deputado estadual.
Foi o deputado mais votado da história política acreana com 7.841 votos e se vangloriava de ser, proporcionalmente, o mais votado no Brasil. Após as barbaridades, foi eleito deputado federal após o escândalo e cassado, em meio as acusações que pesaram sobre ele, em 1999.

Formado pela Academia do Barro Branco, em São Paulo, com pós-graduação no Recife, Hildebrando Pascoal ingressou na primeira turma recrutada pela PM do Acre, em 1974.
Galgou todas as graduações e postos dentro da corporação. Possui dez irmãos, mas, ao todo, as famílias Pascoal e Bandeira são mais de duas mil pessoas no Acre.
Além de Aureliano e Hildebrando, a PM possui em seus quadros o oficial médico Pedro Pascoal e o sargento Silas, casado com a então vice-procuradora geral de Justiça, Vanda Denir Milani Nogueira, cotada par reassumir o cargo nesta semana.
Naquele dia, quando telefonei, Hildebrando Pascoal não estava em casa. Deixei recado. No dia seguinte, telefonou para mim por volta das 18 horas.
- Você quer falar comigo? Então venha até minha casa.

Confesso que fui rezando, sozinho. Ao chegar lá, o coronel abriu o portão. Logo avistei uns seis policiais armados, postados junto ao muro.
Havia duas cadeiras no pátio, bem perto da entrada da casa, de onde eu avistava a sala e nela as crianças de Clerisnar que eram mantidas em cárcere privado.
O coronel mandou que sentasse numa das cadeiras. Obedeci. Ele permaneceu em pé, dedo em riste. E com o corpo quase colado ao meu, advertiu:


- Você sabia que posso matá-lo aqui, agora? - indagou.
- Eu não quero morrer, coronel. Mas não tenho medo de morrer - respondi.
- Você é mesmo atrevido. Bem que seus colegas me avisaram - retrucou o coronel.
Entreguei-lhe, a pedido do procurador da República que estava preocupado com minha vida, a cópia do relatório. E Hildebrando então se deu conta de que eu não era o autor das denúncias.
- Coronel, estou aqui para que o senhor possa apresentar a sua versão. O jornal exige isso de minha parte - insisti.
- Você sabe como me defender - ele rebateu.
- A melhor pessoa para defendê-lo nesta hora é o senhor mesmo. Trouxe um gravador.
- Tudo bem, pode ligar.

Hidebrando estava na companhia do então secretário de Segurança Pública, o boliviano Ilimani Lima Suarez, além de sete guarda-costas. Ao término, quando agradeci pela entrevista, Pascoal avisou:
- Agora você é um homem vivo.
A entrevista a seguir foi publicada parcialmente no Jornal do Brasil, mas o Página 20, do Acre, a destacou em suas páginas centrais na íntegra. Ainda ao término da entrevista, Hildebrando apoiou seu braço imenso sobre meus ombros e comentou sério:
- Você é um grande filho da puta, Altino.


- Por que, coronel?
- Porque você conseguiu fazer eu falar de algo que eu estava decidido a não falar com ninguém.
Leia a seguir a única entrevista exclusiva de Hildebrando Pascoal sobre a série de crimes que já lhe renderam mais de 88 anos de sentença na Justiça Federal e mais de 68 anos na Justiça Estadual.


O subtenente Itamar Pascoal, irmão do senhor, foi assassinado. O que vai fazer a família Pascoal?
Nós queremos Justiça e estamos pedindo apoio às polícias Civil, Militar e Federal para que coloquemos na penitenciária o bandido Jorge Hugo, que, por onde passou, cometeu assaltos e vários assassinatos. Temos que procurá-lo incansavelmente para colocá-lo atrás das grades.


Caso o senhor tenha a oportunidade de ser o agente da ordem de prisão, como vai agir?
Vou algemá-lo e levá-lo para a prisão.


Existem ou não grupos de extermínio dentro dos órgãos de segurança estaduais, conforme denunciou o Ministério Público Federal ao pedir a intervenção no Acre? Os três procuradores da República estão procurando chifre na cabeça de cavalo. É um absurdo que atribuam esses crimes à família Pascoal. Somos uma família bem sucedida, que possui médicos, advogados, procuradores e oficiais da Polícia Militar. Acho que estão sonhando, estão loucos. Isso não procede.
Os procuradores atribuíram o agravamento da situação de violência no Estado ao surgimento da Companhia de Operações Especiais (COE) na Polícia Militar.
Toda polícia - e a do Acre não é diferente - possui um pelotão preparado para qualquer missão.


O senhor acha que a COE tem multiplicado práticas ilegais, arbitrárias e de barbárie?
Quem está falando isso é você. Eu desconheço qualquer prática de barbárie. A COE foi criada para defender a sociedade e não causar pânico.


O fato de agirem fortemente armados e encapuzados não dificulta o controle e a repressão de eventuais excessos?
Os policiais realmente agem armados, mas desconheço que usem capuz.


O Ministério Público acusa a família Pascoal de ter controle da Polícia Militar e dos grupos de extermínio. Nesse sentido, afirma que o ex-comandante Aureliano, seu primo, galgou o posto em decorrência de indicação política feita pelo senhor. Qual a influência que os Pascoal exercem na PM?
A família Pascoal é uma família bem sucedida e preparada para exercer qualquer função. Nós nos preparamos para chegar ao poder. Chegamos ao poder, mas não podemos evitar que loucos, como os procuradores do Ministério Público, digam besteiras como as que escreveram em seus relatórios. Acho que eles deveriam fiscalizar os poderes e as leis e não ficar criando coisas como as que criaram.

Qual o erro que cometeu o subtenente Itamar Pascoal para ser assassinado por Jorge Hugo com um tiro na cabeça?
Nenhum. Simplesmente apareceu o bandido Gerson Turino, juntamente com sua esposa Ana Cláudia. Eles procuraram Itamar pa ra dizer-lhes que o deputado José Vieira tinha um segurança e que o segurança estava procurando-a para pegar R$ 20 mil para liberar o marido dela. O Zé Vieira, segundo a Cláudia, teria um amigo, coronel da Polícia Militar, muito poderoso. Aquele coronel a que o deputado se referia era eu, o coronel Hildebrando. O Itamar sabendo disso ficou muito chateado e saiu com o Gerson para dirimir os fatos. O Itamar acabou morto. Acho que tudo isso foi uma armação. Tenho a impressão de que Gerson foi buscar Itamar para matá-lo.
Mas existe a acusação de que sua família, por força da influência que exerce na Polícia Militar, que por sua vez controla a penitenciária, é quem teria favorecido para que Gerson estivesse solto.
Eu desconheço totalmente. Pelas declarações da Cláudia, o deputado José Vieira é quem queria conseguir isso, o que não acredito.
A partir da morte de seu irmão foi desencadeada no Estado uma onda de violência com crimes bárbaros. O senhor tem envolvimento com o assassinato de “Baiano”, que facilitou a fuga de Hugo, cujos pés e mãos foram serrados, os olhos vazados, suspeita-se, ainda quando estava com vida?
Eu não conhecia esse rapaz, que era segurança de Hugo. Quem tinha motivo suficiente para matá-lo era Hugo. Eram da mesma quadrilha. A morte foi queima de arquivo.
E como explicar o desaparecimento de quatro filhos de “Baiano”? Segundo o Ministério Público Federal, Wilder, de 15 anos, foi seqüestrado pela PM. Outras duas crianças de Baiano continuam desaparecidas.
Eu desconheço esses fatos. Nós não somos loucos ou selvagens para agir dessa maneira. Logo, acredito, tudo vai ser esclarecido e os procuradores passarão como mentirosos.
Numa reunião convocada pelo presidente e o vice-presidente do Tribunal de Justiça estadual, na presença do superintendente da Polícia Federal e do juiz da Vara Criminal, e seu primo, o comandante da Polícia Militar, Aureliano Pascoal, ele e o senhor disseram que não tinham como garantir segurança à mulher de Hugo porque os ânimos estavam acirrados.
Eu quero deixar bem claro que fui convidado pelo desembargador Jersey Pacheco Nunes, presidente do Tribunal de Justiça do Acre, para a reunião. A mulher de Hugo estava numa fazenda querendo proteção. As autoridades presentes queriam que a mulher fosse para o quartel da PM. Olha, companheiro, o Itamar era subtenente da PM. Como pegar a mulher de Hugo, um criminoso perigoso, e deixá-la no meio dos irmãos de farda? Isso seria um absurdo, uma loucura. As autoridades não estavam bem da cabeça. Seria uma loucura entregar uma pobre mulher com sei lá quantos filhos no meio dos irmãos de farda de Itamar. Nós dissemos que não tínhamos condições de recebê-los com as crianças porque seu marido havia assassinado um subtenente da Polícia Militar.

O senhor realmente ameaçou matar jornalistas, cinegrafistas ou qualquer outra pessoa que se colocasse em seu caminho?
Eu falei que estava decidido a tudo, que iria procurar o criminoso, que iria colocá-lo atras das grades. Agora quanto a matar, eu não sei se na hora que eu ver esse cidadão eu vou me controlar emocionalmente. Mas tenho certeza de que tenho controle emocional para, nestas ocasiões, agir com frieza: pegar o cidadão, algemá-lo e levá-lo à delegacia para ser autuado.


O senhor sente que o Judiciário, a Secretaria de Segurança e o Ministério Público Estadual estão intimidados por toda a situação?
Mas que situação? É obrigação da Polícia Civil cumprir a lei, prender o criminoso. Com medo de que? Eu tenho informações de que a polícia do Piauí tem medo de Jorge Hugo. Não sei até onde isso é verdade. Não acredito que ninguém esteja com medo. Medo de cumprir a lei? A lei é para ser cumprida.


No entendimento do sr. não existe instabilidade nem a necessidade de intervenção para pôr termo à grave comprometimento da ordem pública e assegurar os direitos do cidadão?

Isso eu desconheço. Acontece que os procuradores da República não gostam do governador Orleir Cameli e querem prejudicá-lo. Mas o caminho não é esse. A nossa polícia está muito bem preparada para cumprir a sua missão. Tenho certeza que, mais cedo ou mais tarde, iremos colocar esse indivíduo atrás das grades.

A Polícia Militar não está insubordinada?
Acredito que não. Está cumprindo a sua missão constitucional.



O que o senhor acha do pedido de uma ação da Inspetoria Geral das Polícias Militares, ligada ao Ministério do Exército?
Volto a repetir: esses procuradores estão sonhando. Intervenção não é brincadeira. Qual o motivo? Qual o fundamento para intervir na Polícia Militar? Isso é loucura ou sonho dos procuradores.
O Ministério Público Federal tem insistido que não vai tolerar desrespeito aos direitos humanos, que o Estado não pode combater a criminalidade cometendo crimes.
Meu filho, as polícias Civil, Militar e Federal estão aí para cumprir a lei. O assassino tem que ser preso. Para que matar? Se matar, não vai sofrer. Ele precisa pagar por todos os crimes que já cometeu.





A família do senhor imprimiu cartazes coloridos de procura do assassino e está oferecendo R$ 50 mil como recompensa a quem fornecer alguma pista.
A recompensa é para que as pessoas nos ajudem. Nós queremos colocar a fera atrás das grades. A melhor maneira para ajudar a colocar o selvagem atrás das grades é oferecendo recompensa. Não para matá-lo, porque nós temos que conversar com o indivíduo para saber quais os motivos que o levaram a assassinar meu irmão. Nós queremos que seja preso, para conversar e esclarecer os fatos.

Qual a sua opinião sobre o papel desempenhado pelo Ministério Público Federal nesse episódio?
Acho que os procuradores estão sonhando. Tudo o que consta no relatório é muita mentira. Mentira demais, porque não aconteceu nada disso. Deveriam se preocupar com coisas mais sérias ao invés de brincar e denegrir a imagem de uma família tradicional como a nossa.



O senhor tem sede de vingança?
Não, porque acredito na Justiça do meu País.



O senhor suspeita que o seu colega de bancada, o deputado José Vieira, posssa ter algum envolvimento com o assassino de Itamar?
Eu não acredito porque tenho convivido bastante com ele na Assembléia. Vieira é sério, íntegro e amigo leal. Não acredito de forma alguma. Ele e meu irmão foram envolvidos. Mas se ele estiver envolvido seria muito bandido. Bandido e muito frio.



O crime não pode envolver o tráfico de drogas?
De jeito nenhum. Nós somos uma família muito séria e íntegra, que detesta as drogas. Detestamos os traficantes, que deveriam ser executados em praça pública. Traficante deve ser executado em praça pública. Esse é o meu ponto de vista.


O senhor acredita em Deus?
Demais. Sou abençoado.


Qual a sua religião?
Sou evangélico da Igreja Batista Regular. Sou muito abençoado por Deus porque nunca fiz nada na vida para não dar certo. O meu coração é puro. Só procuro fazer o bem, tá certo?


Vai continuar candidato vice-prefeito de Rio Branco?
Meu nome está solto, mas o meu objetivo maior é localizar o assassino de meu irmão para colocá-lo atrás das grades.


O senhor é a favor da pena de morte?
Não. A vida é uma dádiva divina.



Qual a sua opinião sobre os “justiceiros”?
Sou contra. Temos a Justiça para colocar quem é bandido atrás das grades.


Qual o sinal de que o senhor não é a favor da pena de morte?
Sozinho, como oficial da Polícia Militar, acabei com o esquadrão da morte aqui no Acre. Enfrentei os bandidos, eles foram embora e acabou a brincadeira de se “desovar” cadáveres nas estradas.
Agradeço-lhe pela entrevista.
Agora você é um homem vivo.

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