sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Enem: crônica de uma morte anunciada

Por Maurelio Menezes
Publicado por Kassu - 02/10/2009 às 08h18


Ninguém poderia afirmar com antecedência que aconteceria o que aconteceu. Mas era previsível. O MEC não tem nem nunca teve estrutura para dar conta da logística necessária à aplicação de uma prova para mais de quatro milhões de candidatos. Especialmente se essa prova tenha o significado que o Enem, por motivos absolutamente eleitoreiros, passou a ter ao ser, por livre e espontânea pressão, adotado como vestibular pela maioria das Universidades Federais, a UFMT entre elas.

Aplicar o Enem para se aferir o conhecimento de alunos ao saírem do Ensino Médio é uma coisa. Aplicá-lo como forma de garantir uma vaga, por exemplo, no curso de Medicina da UFMT, um dos mais concorridos do país e o que tem a nota de corte mais alta entre os cursos de excelência é outra, bem diferente. E o INEP não estava preparado para isso, o que fica claro nas palavras do ministro Fernando Haddad "Eu não sei em que momento da impressão houve o vazamento". E como ele sabe que foi na impressão? Se realmente soubesse da fraude, não precisaria ter sido alertado pelo jornal O Estado de São Paulo.

A verdade é que tenha sido lá onde foi a fraude, o Enem está morto porque perdeu o principal ingrediente de um exame que pretende ser seletivo: a credibilidade. Afinal, quem garante que a próxima prova, que o presidente do INEP garante estar pronta, também não vazará? Se vazar quando será uma nova prova? Em 2010, às vésperas da eleição? Mais ainda: se não vazar, quem garantirá que não vazou?

O Ministro Fernando Haddad, com a insensibilidade que é peculiar a burocratas, disse que os candidatos acabaram ganhando porque terão mais tempo para estudar. Pura estupidez! Afinal, em todo o país colégios condensaram o conteúdo para que os alunos estivessem prontos para a prova nesse final de semana, dois meses antes do final do período letivo. Quem se responsabilizará pela ansiedade de milhões de alunos transformada em frustração agora? E como ficarão os alunos que haviam programado prestar outros vestibulares caso haja coincidência de datas? Os danos provocados pela incompetência do MEC/INEP são imensuráveis e tudo por quê? Por estarem fazendo politicagem com a educação.

A UFMT também vai pagar o preço da suspeita. Os alunos que ingressarem em seus cursos sempre terão a sombra de terem sido selecionados por uma prova sem credibilidade. E por quê? Por ter, numa decisão autoritária e muito criticada à época, ter adotado o Enem como única forma de ingresso. Isso foi feito sem se ouvir a comunidade universitária como ela deveria ser ouvida. Da mesma forma a sociedade não foi ouvida. Nem uma nem outra concordaria porque os motivos que levaram a UFMT a adotar o Enem foram financeiros e não acadêmicos. Levou-se em consideração tão somente o dinheiro que o MEC enviaria para cá.

O vestibular da UFMT há décadas é considerado um dos mais sérios do país, tanto que a CEV vem sendo contratada há muito tempo para preparar provas em outros estados, inclusive para instituições federais. Nunca houve uma denúncia sequer de fraude ou vazamento nas provas elaboradas por ela, que, repito, por um ato autoritário, trocou décadas de credibilidade por, está se confirmando agora, uma aventura, aventura que infelizmente não tem e não terá um final feliz porque, como um casamento realizado a partir da infidelidade, terá sempre a suspeita a acompanhá-la.

Agora seria a hora da UFMT mostrar que, como Universidade tem e preza a autonomia que a legislação lhe concede. E, numa demonstração clara que não admite dúvidas sobre o ingresso de seus alunos e montar, ela própria seu vestibular. Profissionais que trabalharam muito tempo na CEV me garantiram hoje que, em 45 dias, ela monta e aplica a prova para seus trinta mil candidatos. Mas é pedir muito, porque isso implicaria em apostar na qualidade do ensino e qualidade de ensino parece não ser nem de longe a principal preocupação do atual governo e das administrações superiores de universidades que, tal qual os fundamentalistas, rezam na cartilha do governo.



* MAURELIO MENEZES é jornalista, Mestre em Ciências da Comunicação pela USP, e professor do Tronco Comum e da Habilitação Jornalismo do Curso de Comunicação Social da UFMT

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