Integração literária
Alguns dos principais escritores mato-grossenses contemporâneos tomaram de assalto, no bom sentido, durante cinco dias, a pacata Alto Araguaia
Lorenzo Falcão*
Da Reportagem / Diário
Em Mato Grosso as grandes distâncias dificultam um pouco muitas coisas. Os registros literários desta terra, por exemplo. Quantos e quais são os escritores que vêm contribuindo para o desenvolvimento das letras regionais nos últimos anos? Uma pergunta aqui, uma resposta ali e as informações vão surgindo. Mais do que essa informação, é importante reunir esses artistas das letras e sondar coletivamente o perfil, ou pelo menos, uma parte do perfil literário contemporâneo mato-grossense. Tarefa fácil? Qual nada... Mas não impossível.
Na semana passada, de terça as sábado (04/09), o município de Alto Araguaia conseguiu essa façanha, com a realização da Feira do Livro de Alto Araguaia, evento que aconteceu nos dias que antecederam a 14ª Feira Náutica que também se realiza no município todos os anos. Só que 2010 marcou essa diferença. Além da Feira, com as novidades em matéria de navegação pelas águas da cabeceira do Araguaia, aconteceu uma pegada cultural, com foco em literatura, mas também com interferências de outras artes.
Nossa reportagem não vai adentrar com detalhes pela programação da feira. O tema será o impacto que um evento como este pode causar numa pequena cidade com cerca de 15 mil habitantes, mas que se mostrou simpática à iniciativa da feira, desde o início.
A Feira, na verdade, foi uma espécie de clamor popular. A população do pequeno município parece ter deixado claro que só a festa náutica, normalmente acompanhada por muito entretenimento, drinks etc., não era mais o suficiente. Precisava de acontecer algo mais compromissado com valores culturais. Aí, dá-lhe livros e literatura.
Cerca de 20 autores, sendo a maioria de Cuiabá, participaram de mesas discutindo temas específicos, palestras e atividades lúdicas, já que a maioria do público presente era de estudantes, dos ensinos fundamental e médio. “Temos aqui autores de Cuiabá, de Barra do Garças, General Carneiro e Nova Xavantina”, explicou Cleuta Paixão, uma das idealizadoras do evento. O conceito da feira foi concebido para trabalhar o conhecimento e a divulgação dos autores mato-grossenses dentro do próprio estado. E deu certo. A ideia surgiu a partir de inúmeras conversas envolvendo artistas e produtores de diferentes regiões de Mato Grosso, entre eles, o ex-secretário estadual de Cultura, João Carlos Vicente Ferreira. João, aliás, presente à feira, compartilhou suas experiências culturais participando de duas mesas.
Cleuta Paixão explicou que a proposta é a de que eventos semelhantes aconteçam em outros pólos mato-grossenses, expandindo o conhecimento e a interação com o público dos autores de Mato Grosso. A convite da organização do evento, o jornalista do DC Ilustrado compartilhou de vários momentos, uns mais formais outros mais informais, com os escritores, pois todos os participantes da feira ficaram num mesmo hotel. Entre todos, era comum a satisfação por ter uma oportunidade de estar junto com outros autores compartilhando experiência, processos criativos, expectativas etc. O caráter solitário tão comum à literatura, pois o escritor é uma pessoa que se isola para criar, foi por água abaixo.
Para Cleuta Paixão, que também é do Conselho Estadual de Cultura, um evento como este vai além do que normalmente é oferecido como possibilidade em matéria de investimento público à arte literária. Ela explica que os editais, quase sempre, oferecem uma quantia em torno de 18 mil reais para a produção de um único livro. Não é difícil perceber que é uma gestão financeira demasiado amarrada e limita as possibilidades, bastante diferente de se promover um evento literário reunindo vários escritores e mobilizando praticamente uma cidade inteira. É lógico que uma cidade inteira focada em literatura, no Brasil, é algo muito utópico. Mas oferecer durante três, quatro dias, boas possibilidades literárias a um público que vai de 10 a 90 anos, não é impossível e é muito interessante. O exemplo de Alto Araguaia é um flagrante que assinalou nessa direção.
O público não chegou a superlotar os espaços, mas quem foi, encontrou algo diferente, que nunca viu. “O trabalho se dá muito na formação de público para a literatura”, sustenta Cleuta. Uma das pessoas mais entusiasmadas foi o próprio prefeito de Alto Araguaia, Alcides Fraga, que, no dia da abertura, passou praticamente a manhã inteira acompanhando todas as atividades.
Uma das principais atrações da Feira do Livro de Alto Araguaia foi a participação do ator e escritor Luiz Carlos Ribeiro. Experiente, protagonista de inúmeros espetáculos teatrais, declamador de primeira e ultimamente revelador de uma pegada literária, em especial com seu livro “A mala de fugir e outras histórias”, Luiz se esbaldou com causos e poesias junto ao público jovem que esteve no evento. Elogiou a participação ativa do público nos debates e nas mesas. Ele flagrou também como positivo o grande interesse que os sorteios das obras provocavam ao final de cada debate, ou mesa redonda.
O número de dias e os próprios recursos disponíveis para o evento não foram suficiente para a realização de oficinas literárias que iriam abrir mais e mais as portas da literatura aos jovens, especialmente. Mas, outras oportunidades hão de surgir. “Invadir as escolas, no bom sentido\', é uma opção que vale a pena”, assegura Luiz Carlos.
Rômulo Carvalho Neto e sua produção generosa, Marta Cocco e a estética rebuscada, Mario Leite e seus conhecimentos literários, Antonio Sodre e suas performances notáveis, Luciene Carvalho e seu ar pleno de literatura, Cristina Campos e suas experiências literárias, João Carlos e suas ideias e experiências como gestor e ativista cultural. E mais alguém que o jornalismo fatalmente esquece de citar, mas que depois é perdoado.
Nove e meia da noite e conversamos tranquilos numa sala de estar do hotel. Chega a última van, com nossos últimos companheiros que ainda estavam na feira, entre eles, Elaine Caniato, da editora Carlini Caniato. Alguém pergunta à Elaine, o que ela fazia até essa hora na feira. “Eu estava lá no estande da editora... Vim para divulgar nossos produtos e enquanto tinha gente querendo saber, fiquei lá atendendo”, explica a editora. Numa boa feira de livro há de ser sempre assim: a gente trabalha, mas se diverte... Não necessariamente nessa ordem.
*O jornalista viajou a convite da organização do evento

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