quarta-feira, 23 de março de 2011

Iniciativas de restauração florestal se consolidam na Bacia do Xingu em Mato Grosso

Instituto Socioambiental, ISA Canarana
 
No momento em que todo o país volta suas atenções para as propostas de mudanças no Código Florestal e proprietários rurais aguardam definições governamentais para recuperar suas áreas degradadas, produtores da região da Bacia do Rio Xingu em Mato Grosso saem na frente: as restaurações florestais de matas ciliares iniciadas através da Campanha Y Ikatu Xingu entram em fase de consolidação e a técnica de plantio mecanizado de florestas começa a ser disseminada

Quando foram iniciados, em 2005, os trabalhos de restauração florestal nas cabeceiras do Rio Xingu, em Mato Grosso, eram iniciativas experimentais para desenvolver e aprimorar técnicas adequadas às necessidades locais. Hoje, após cinco anos de esforços e parcerias, o trabalho entra em uma nova fase: mais de 2.400 hectares de nascentes e beiras de rios estão em processo de restauração florestal em mais de 215 propriedades rurais e a técnica de plantio mecanizado de florestas, desenvolvida na região, está sendo disseminada entre acadêmicos, técnicos e proprietários rurais de várias regiões do país.

Os números representam a consolidação dos trabalhos realizados no âmbito da Campanha Y Ikatu Xingu, resultado da união entre poder público, organizações não governamentais, proprietários rurais e assentados da reforma agrária para proteger e restaurar as nascentes e matas de beira de rio na Bacia do Xingu no estado. Segundo Rodrigo Junqueira, coordenador adjunto do Programa Xingu, do Instituto Socioambiental (ISA), uma das organizações participantes da Campanha, os resultados são prova de que não é preciso aguardar decisões governamentais para começar a agir. “No começo encontramos resistências. Mas com muito trabalho mostramos que estamos na região para contribuir com um modelo que alie produção e preservação e não emperrar o seu desenvolvimento. Junto com os parceiros está claro que não é necessário esperar definição de mudanças na área ambiental. Se tivéssemos esperado não teríamos dado um só passo. Devemos ser capazes agora de valorizar quem já fez e está fazendo”.

Consolidação e disseminação
O desafio de recuperar extensas áreas degradadas foi o estímulo para o desenvolvimento de novas técnicas de restauração florestal na Bacia do Rio Xingu. Foi assim que surgiu o Plantio Mecanizado de Florestas, técnica em que maquinários agrícolas, como a plantadeira e a lançadeira, são utilizados para plantar sementes nativas. A mistura de sementes usada no processo é chamada de “muvuca” e contém leguminosas de adubação verde, ervas, arbustos, cipós e árvores frutíferas, resiníferas, medicinais e madeireiras. “A mistura de sementes permite que o solo seja recoberto por vegetação por todo o tempo, controlando o desenvolvimento das gramíneas invasoras, como a braquiária, e melhorando as características físicas, químicas e biológicas do solo, descompactando a terra com raízes profundas e superficiais e aumentando a riqueza de nutrientes das folhas de diferentes espécies que vão se depositando sobre o solo” diz o biólogo do ISA, Eduardo Malta.

A técnica, aprimorada por técnicos do ISA e adaptada às condições locais, permite restaurar grandes áreas a um custo até quatro vezes mais baixo em relação ao plantio de mudas.

As áreas plantadas com as diferentes técnicas de restauração florestal são monitoradas através de parcelas permanentes, nas quais as árvores nativas e o resto da cobertura vegetal (ervas e gramíneas) são identificadas e mensuradas periodicamente. Este trabalho gera um banco de dados das áreas em restauração e permite sistematizar os erros e os acertos das intervenções para aprimorar a técnicas de restauração florestal adaptadas a cada caso.
Todos os passos para a aplicação dessa técnica podem ser vistos no vídeo “Plantio Mecanizado de Florestas: faça você mesmo”, produzido pelo ISA. Eduardo Malta explica que o vídeo é uma das iniciativas para disseminar a técnica. “A técnica é simples e fácil de aprender com esse vídeo ‘passo-a-passo’, pois usa os mesmos equipamentos e métodos que são cotidianamente usados nas propriedades rurais, sejam de pecuária ou agricultura, para plantio de grãos ou de pastagens”.

Curso de restauração ecológica
Outra iniciativa realizada para disseminar as técnicas de restauração aplicadas no âmbito da campanha é o curso “Restauração ecológica e adequação ambiental” que o ISA está promovendo em Canarana, Mato Grosso, e que conta com a participação de profissionais envolvidos em projetos de restauração na região, conforme explica Natália Guerin, ténica do ISA. “Os dois primeiros módulos do curso, que abordaram as questões relacionadas ao diagnóstico e implantação de projetos de restauração, foram ministrados em setembro e outubro de 2010, e possibilitaram que os participantes colocassem em prática o que vivenciaram no curso, resultando em mais de 20 hectares implantados no período das chuvas de 2010-2011 na região.
Um dos participantes do curso é o analista ambiental Luciano Wilker Webber, que trabalha em uma empresa de consultoria ambiental. “A partir do curso, ajudei a realizar o plantio de 1 hectare em uma Área de Preservação Permanente (APP) degradada em uma fazenda em Querência”. Webber afirma ainda que existe uma demanda crescente na região por trabalhos de restauração. “Hoje temos mais cobrança e fiscalização dos órgãos competentes. Acredito que técnicas como o plantio mecanizado de florestas serão cada vez mais procuradas, pela rapidez de resultados e economia, principalmente na manutenção das áreas plantadas”.

Rede de Sementes do Xingu
A demanda por sementes nativas para trabalhos de restauração florestal em larga escala fez surgir a Rede de Sementes do Xingu, uma iniciativa criada em dezembro de 2007, que envolve mais de 300 coletores de 19 municípios e nove aldeias indígenas que têm na coleta de sementes uma importante fonte de renda. Em três anos, a iniciativa comercializou 45 toneladas de sementes florestais e gerou, até a safra de 2010, R$ 450 mil em transferência direta de renda às famílias envolvidas.
O movimento tem participação de agricultores familiares, índios e viveiristas que estão hoje se profissionalizando na coleta e beneficiamento de sementes para comercialização em escala.
Os coletores estão organizados em 15 núcleos de coleta, grupos que centralizam o recebimento das sementes para a posterior comercialização. Cada núcleo tem um ‘elo’, que é a pessoa responsável por receber as sementes coletadas por seu grupo.

Números da restauração florestal na Bacia do Xingu em Mato Grosso
215
áreas em propriedades rurais, assentamentos e Terras Indígenas em processo de restauração
2.400
hectares de APPs em processo de restauração
18
municípios com áreas em processo de restauração
45
toneladas de sementes nativas foram plantadas
200
espécies nativas de Cerrado e Floresta foram destinadas aos plantios
Mapa de localização das iniciativas de restauração florestal e de coleta de sementes nativas na Bacia do Xingu em Mato Grosso.
Mapa de localização das iniciativas de restauração florestal e de coleta de sementes nativas na Bacia do Xingu em Mato Grosso. 

Por conta própria
Muitos produtores e assentados que já aprenderam a técnica da semeadura direta passam a realizar as restaurações por conta própria, com a mão de obra e o maquinário agrícola de sua propriedade. É o caso de Ricardo Rias Batista, dono de um lote de 43 hectares no Projeto de Assentamento (PA) Jaraguá, município de Água Boa que, no último ciclo de plantio, plantou 1 hectare com o apoio financeiro da organização The Forest Trust (TFT), parceira da Campanha Y Ikatu Xingu.

Ele começou a restaurar suas áreas degradadas há mais de cinco anos e hoje já faz uso de diversas espécies em sua agrofloresta. “Eu já restaurei 4,5 hectares em meu lote. Tenho pequi, dendê, açaí, baru, jatobá… São diversas espécies que servem para o meu consumo próprio e também tem bom valor comercial”. Batista usa a semeadura direta para fazer agrofloresta, plantando ao mesmo tempo mandioca, abóbora e abacaxi com árvores frutíferas, oleaginosas, medicinais e madeireiras.

Batista conta que começou a plantando algumas árvores em seu quintal, há seis anos, e depois intensificou as restaurações, com o apoio do ISA. Hoje, ele tem mais de 50 espécies nativas da Floresta e do Cerrado. “Antes eu só tinha gado em meu lote, mas acabei com tudo, porque só me dava prejuízo. Hoje eu comercializo farinha de mandioca, que é um bom complemento na renda. Atualmente estou vendendo uma média de 300 quilos por mês”. Ele também está começando a comercializar castanhas de caju e baru.

Apostando no Plantio Mecanizado de Florestas
A fazenda Santana, no município de Canarana, tem 2,35 hectares, dois quais seis precisam ser restaurados. O proprietário, Saulo Sabino da Cunha, resolveu apostar na técnica do Plantio Mecanizado de Florestas para recuperar sua área. “A equipe do Instituto Socioambiental está assessorando o processo de plantio e manutenção. Acredito muito nessa técnica, pois já é possível ver a qualidade das plantas que estão na área”.
Área a ser restaurada na Fazenda Santana, em Canarana. Foto: Natália Guerin
Área a ser restaurada na Fazenda Santana, em Canarana. Foto: Natália Guerin
Área da Fazenda Santana quatro meses após o plantio de sementes nativas. Foto: Natália Guerin.
Área da Fazenda Santana quatro meses após o plantio de sementes nativas. Foto: Natália Guerin

Saulo está pagando por todo o custo de implantação e manutenção da área. “Eu tenho uma área de 0,3 hectares onde fizemos o plantio com mudas, mas o resultado foi bem inferior. O investimento em restauração com o plantio mecanizado é muito menor e os resultados são bem melhores”. O proprietário ressalta ainda a importância da adequação ambiental de sua fazenda. “Fiz a recuperação dessas áreas para estar correto perante a legislação ambiental, mas também acredito que isso irá me ajudar a valorizar minha produção e vender para mercados mais exigentes”.

O incentivo do mercado de carbono
Em 2010, começaram a ser assinados os primeiros contratos de restauração de APPs que contarão para seqüestro de carbono no mercado voluntário. Este é mais um mecanismo de estímulo para que os proprietários restaurem suas áreas. Sete proprietários comercializaram antecipadamente 40.000 toneladas de carbono fruto do plantio de 116 hectares à empresa Natura com o apoio técnico e a facilitação do ISA, do Instituto Centro de Vida (ICV) e do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). O contrato tem duração de 30 anos.

Valmir Schneider, proprietário da Fazenda Schneider, em Querência, tem três hectares de sua propriedade sendo restaurados através do projeto. “Todo o meu custo inicial de restauração foi pago pelo projeto. Se eu tivesse que pagar por conta própria, gastaria pelo menos mil reais por hectare, só com a compra de sementes nativas”. Durante 30 anos a área deve ser protegida e passar por manutenção para garantir que o carbono seja capturado.

Schneider conta que, além da área restaurada através do projeto de captura de carbono, ele tem mais 11 hectares em processo de restauração. “Tentei restaurar minhas áreas com mudas, mas não obtive bons resultados. Se você planta a muda em um dia úmido e depois vem o Sol forte, ela pode morrer. Com as sementes é tudo mais simples. Elas não sofrem esse tipo de problema e crescem normalmente”.

Em 2011, através de um arranjo pioneiro, um novo contrato foi firmado com a Natura. Dessa vez, 23 proprietários do município de Santa Cruz do Xingu – MT estão envolvidos através da Associação Xingu Sustentável, criada para esse fim. Nesse novo projeto, serão comercializadas 75 mil toneladas de carbono em 30 anos. Para tanto, serão plantados 220 hectares de vegetação em áreas de preservação permanente e reserva legal, com a assessoria técnica do ISA, ICV e Imaflora.

Perspectivas
Cada vez mais, proprietários rurais vêm se preocupando em restaurar a vegetação nativa, principalmente nas beiras dos rios, lagos e nascentes, que são as Áreas de Preservação Permanente (APPs), pois entendem que elas são importantes para a conservação da água de suas propriedades e da região e que isso não deve mudar na legislação ambiental do Brasil.
Além disso, é crescente o interesse na exploração da vegetação nativa remanescente nas propriedades, a chamada Reserva Legal (RL). Essa vegetação pode ser manejada e trazer lucros aos proprietários se explorada de maneira correta e sustentável. Uma vez que a maioria das propriedades não possui a RL constituída, o plantio dessas áreas, visando a exploração econômica em curto, médio e longo prazo, vem aumentando e criando assim um mercado promissor, tanto para os técnicos de restauração, quanto para os proprietários rurais.

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