Sinais de Chegadas relata translado de índios de Mato Grosso ao Parque do Xingu
Especial para o Olhar Conceito - Michelle Carlesso Mariano
Foto: Reprodução
Sinais de Chegadas (Carlini & Caniato Editorial, 2013,
352 páginas), de Odenir Pinto de Oliveira, um dos maiores indigenistas
do Brasil, traz um romance ambientado em uma Frente de Atração que tinha
por objetivo “pacificar” os chamados “índios gigantes” no norte de Mato
Grosso e transladá-los ao Parque do Xingu.
Abordando fatos reais através de personagens fictícios, o
narrador-personagem delineia a trama de maneira magistral, sem omitir
detalhes chocantes, pormenores cotidianos, anedotas e diálogos
introspectivos que fazem com que essa leitura seja fluida e prazerosa.
O livro começa contando a história de personagens que tiveram seu destino convergido à Frente de Atração.
Geraldo, de origem indígena, abandonou sua aldeia devido a uma paixão
platônica por uma professora e, após idas e vindas, acabou como
cozinheiro da Frente. O padre Isaías que, devido ao seu contato com
crianças de uma reserva indígena onde lecionava, conhecia os horrores
que a chamada “civilização” impunha a esses povos. Silvio PortoBello,
chefe da expedição, sabia como ninguém cumprir seu ofício de sertanista,
transferindo povos indígenas de seus territórios tradicionais sob o
pretexto de salvá-los, para dar lugar ao avanço do desenvolvimento.
Lino, perdeu a família e o emprego pelo vício em drogas, juntou-se ao
grupo por intermediação de um sertanista que se casou com sua ex-mulher.
Seu Aquilino, um “Velho Errante”, negro forte que abandonou o convívio
com outras pessoas e se embrenhou no mato, acompanhado somente de seus
dois cachorros, conhecia como ninguém a linguagem da floresta,
tornando-se uma figura mitológica que “assombrava” os trabalhadores que
construíam a BR 163. Quanto ao narrador, esse vai se mostrando ao longo
da trama através de suas memórias e seus amores.
Ano de 1971, norte de Mato Grosso (região de Peixoto de Azevedo),
acampamento da Frente de Atração Rio Braço Norte, composta de 23
pessoas, das quais 7 eram funcionárias do órgão indigenista e as outras
16 eram indígenas de várias etnias que faziam o trabalho braçal.
Objetivo: pacificar o povo indígena que habitava o lugar, “os índios
gigantes”, chamados Parenty e transportá-los para o parque Indígena do
Xingu, liberando assim o território por onde passaria a BR 163, que liga
Cuiabá a Santarém. Não menos importante era o fato de que essas tribos
habitavam uma região de depósitos minerais, onde se encontrava grande
quantidade de ouro e pedras preciosas ou a localização estratégica para
uma base militar, com pista de pouso e buracos enormes no solo para
testes de armamento.
Em nome do progresso, o povo Parenty perdeu seu direito de habitar a
região e tinha que ser removido o quanto antes. Eles, por sua vez,
evitavam o contato com o “homem civilizado”, mostravam-se arredios e
rejeitavam as quinquilharias, sinais fortes da intenção pacífica,
deixadas como presente pelos membros da Frente de Atração. Tinham suas
aldeias constantemente sobrevoadas por aeronaves e, os que se
aproximavam demais dos construtores da estrada, morriam rapidamente de
algo que eles não conheciam. Sem saída, resolveram “pacificar” esse povo
barulhento e foram de encontro ao acampamento da Frente de Atração.
Com a “pacificação”, a Frente de Atração se transformou num local
turístico, atraindo jornalistas do mundo todo, personalidades e
autoridades que queriam ver de perto os famosos Parenty. Reportagens
corriam o Brasil e o mundo, trazendo fama e prestígio para om pretenso
Estado “salvador”. O que as lentes objetivas não capturavam eram as
mortes provocadas pelos vírus que eles mesmos traziam, com os quais os
indígenas não tinham armas para se defender e aqueles que as possuíam, o
Estado, não tinham a intenção de empunhá-las. As famílias desfeitas
pela perda de seus membros, de seus laços de parentesco, de sua cultura,
seu modo de vida, de seu “ser”. Há inclusive relatos de crianças
indígenas levadas para morar no exterior por órgãos missionários sem o
consentimento daqueles que ficaram.
Os Parenty resistiam. Sua população destroçada pelas mortes se reunia
para formar nova aldeia. Junto com os Parenty, a Frente de Atração
também permanecia no local, pois ainda faltava realizar o segundo
objetivo: a remoção dos indígenas para o Parque do Xingu. Enquanto isso
não acontecia, seus membros se entretiam com suas lembranças,
mergulhavam em introspecções, devaneios num outro sentido de tempo que
não é o cronológico. É o tempo da floresta.
É fato, com uma população reduzida em 2/3, os fortes e temidos Parenty
se entregaram, deixando na terra em que habitavam apenas “sinais” de sua
passagem que logo foram suprimidos pelas máquinas que escavavam o solo
em busca de minerais. Foram levados ao Parque do Xingu em aeronaves
militares como um troféu à política indigenista de “proteção” aos povos
tradicionais, fatos, tão atuais, que marcaram para sempre a vida
daqueles que, de alguma maneira, participaram dessas empreitadas,
reescrevendo o destino de um povo: o povo indígena do Brasil.
Seja o primeiro a comentar
Postar um comentário