PRISÃO DO AMOR
Autor: Edilberto
Magalhães
Tinha
um sol no olhar! De manhã, à tarde ou à noite lá estava ela a iluminar a vida.
Pela janela! Trancada na prisão do amor, lhe falavam que era assim. E durante
anos assim ela viveu. Todos pensavam que ela estava presa, mas sabe, ela era
livre! Tinha uma imaginação do tamanho do mundo, e livros, muitos livros que a
levavam para além da sua clausura. Conheceu Paris, Itália, Japão e o Morro do
Alemão. Sentiu o sabor de cada lugar que esteve como se fosse a última primeira
vez. Tinha pressa! O tempo corria contra o tempo e era preciso sobreviver.
Certa
feita, contou-me que se pôs a pensar sobre o silêncio. Com quatro filhos
pequenos o silêncio tinha outros significados. Nos momentos de balbúrdia
buscava a calmaria que existia no seu interior. Olhava-se pelo espelho d’alma
branca, amarela e azul. Adorava as cores! Certa vez, num desses desencontros da
vida me contou que guardava um silêncio numa caixinha de madeira. Dessas
artesanais, com detalhes que trazem consigo a vida de quem a produziu. Disse-me
ela: “─ Esse silêncio não é grande coisa, nem vale muito dinheiro, aliás, não
vale dinheiro algum! Mas eu guardo”. Não sabia ao certo o porquê, mas isso lhe
fazia feliz. E a felicidade é coisa rara hoje em dia. Têm-se fragmentos
de felicidade, mas felicidade mesmo, aquela de conto de fadas...
─
À noite, quando eles estão dormindo, deixo-o sair para brincar - contou-me ela,
sobre o silêncio que guardava. Disse-me também que ele adora brincar. É uma
criança adulta, ou será um adulto criança?! Não sei. Sei que conheceu Clara há
alguns meses e logo se apaixonou. “Como não se apaixonar por Clara?!”, disse o
silêncio a ela, numa noite de outono. Clara é tão doce, como arco íris na
primavera e a brisa da manhã, mas, ao mesmo tempo, tão complexa quanto física
quântica. Ele adora essa simbiose! Pensam em se casar, mas antes disso ele
precisará se libertar da caixinha de madeira. Mas isso é perigoso. Eles o
procuram a todo o momento. A caixinha de madeira é a sua liberdade e a sua
prisão.
Fiquei
feliz por ela ter me contado sobre o silêncio que guarda na caixinha de
madeira. Foi singelo. É nítido que ela o ama. E por falar em amor, contou-me,
numa tarde de chuva e sol dessas do verão, que sonhou que pelo amor do amor era
preciso lutar contra o que ela nem sabia. Achou confuso, mas sonhos são assim.
Pesadelos então... Sabe, no fundo acho que ela nem sentia que era preciso
lutar. Acreditava na justiça divina!
Quando
a prenderem na prisão do amor roubaram-lhe parte da vida. Uma das partes mais
essenciais da vida, a liberdade. Não a liberdade subjetiva que ela consegue
através da imaginação, da leitura... mas da liberdade objetiva, da física. Do
poder abrir a porta e colocar os dois pés no chão, na rua da amargura ou do
amor. Na rua da vida.
No
fundo ela sabe que para isso é preciso paciência. Muita paciência, por sinal. E
assim ela a persegue da mesma forma que persegue a inquietação. Tem consciência
de como as coisas são, mas não quer deixar as coisas como elas estão. Já quis
mudar o mundo. No fundo, ainda quer. Mas, para isso, a paciência é fundamental.
Cumplicidade também. Não dá para mudar o mundo sozinho. Não dá nem para ir à
China sozinho. A companhia é importante, além de tudo ela ajuda a vencer os
medos. E sabe, ela me contou que tem muitos medos e que, sem a ajuda de alguém,
é possível que ela desista. A desistência não é o seu objetivo, mas ela não é
forte o suficiente. Pelo menos é o que ela acredita vivendo trancada na prisão
do amor. Deus a acompanha. Mas nem sempre ela consegue enxergar isso.
Sonhei
com ela outro dia. Foi um sonho lindo, desses que temos quando realmente
gostamos de alguém. Acordei cedo e fui à sua casa para contar sobre o meu
sonho. No caminho lembrei-me de quando ela se descobriu artista. Foi aos dez
anos de idade. Começou pela poesia, mas não pôde terminar. Roubaram-lhe a vida
aos treze anos! Virou mulher da noite para o dia sem ao menos poder dizer não!
Não podia dizer nada. Não lhe era permitido, não lhe era permitido sonhar.
Dizia que a arte, um dia, a libertaria. Sua expressão de felicidade ao dizer
isso era contagiante.
Após
alguns minutos de caminhada cheguei à sua casa. Procurei o sol do seu olhar,
mas não encontrei. Havia se libertado da prisão do amor. Agora o mundo seria
pequeno. O universo era apenas o começo, mas eu já sabia qual seria o fim.
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