Conheça a história por trás da foto mais famosa do mundo
Foi na virada de uma das décadas mais transformadoras, turbulentas e
efervescentes do último século, talvez por um acaso, a imagem que se
tornou um simbolo de resistência, luta e revolta foi forjada. Dentro das
controversas e lendas que rondam a história de Ernesto “Che” Guevara,
uma das menos conhecidas, ironicamente, fala sobre a fotografia mais
famosa do comandante.
A construção visual de um mito aconteceu há exatamente 55 anos, foi
em um 5 de Março e o ano era 1960. A paisagem era a ilha de Cuba, logo
após a revolução, um acidente trágico acontecera no dia anterior, quando
um navio cargueiro explodiu, causando o ferimento e a morte de várias
pessoas. Não por uma acaso, a embarcação de nome “La Coubre” vinha do
porto de Antuérpia, na Bélgica, e carregava mais de 400 mil caixas de
munições e explosivos, que seriam usadas para fortalecer o exercito
revolucionário.
Seria um evento que talvez nunca fosse lembrado, depois de passado mais de meio século, não fosse a sensibilidade do fotógrafo cubano Alberto Díaz, conhecido como Korda. Ele trabalhava em Havana para o jornal “Revolucíon” – principal publicação do Movimento 26 de Julho (M-26-7), o qual Che, Fidel e Raul Castro faziam parte e foi mandado para cobrir a homenagem. Em meio as fotos do discurso inflamado de Fidel e do choro dos familiares das vitimas, Korda captou a imagem do comandante Ernesto Che Guevara que entraria para a história.
A foto, depois apelidada de “Guerrillero Heroico”, mostra o momento em que Che observa o protesto popular pelas mortes ocorridas no dia anterior. Era um momento de distração do combatente, ele estava concentrado, o olhar solto perdido no horizonte. Ernesto, tinha 31 anos naquela época. Segundo Korda, o comandante Guevara, ficou parado por alguns segundos, demonstrando “imobilidade absoluta”, “raiva” e “dor”.
O tempo foi suficiente apenas para que ele fizesse dois cliques, um na vertical e outro na horizontal. Porém, ao chegar na redação do jornal, nenhuma das duas fotos foi escolhida pelo editor, que priorizou imagens que focavam a multidão e Fidel, o líder máximo. Então Alberto Korda guardou os negativos das imagens de Che, no seu arquivo pessoal, onde permaneceram por mais sete anos, intocadas.
De Havana para o mundo
(Des) Apropriação
Outra ironia que ronda a famosa fotografia é o forte apelo comercial o qual foi apropriado a imagem do líder revolucionário. Como tudo que é famoso, se tem gente que conhece, se tem gente interessada no assunto, vai ter margem para uma terceira pessoa ganhar em cima. Com a figura de Che, não foi diferente. O que no inicio era um símbolo de resistência contra os tentáculos do capitalismo e a entrega visceral à luta, tudo que a história de Chê representava foi devidamente desapropriada, pelo marketing publicitário.Hoje se vê o rosto do argentino em todos os lugares, produtos e objetos de consumo que seja possível estampar uma imagem. Bandanas, bonés, blusas e outros badulaques, tudo é decorado com a reprodução multicolorida do “Guerrilheiro Heróico”. Não é para pouco, se tratando da fotografia mais famosa da história, a mesma ter influenciado a moda e a cultura. Desde os anos 60′ a boina militar com a estrela da esperança comunista, foi adotada por diversos jovens e movimentos políticos de esquerda, em alusão ao “Guevarismo”.
Na cultura pop, a imagem foi reproduzida por todo tipo de artista plástico e em paródias nas mais diversas mídias. Homer Simpson, Diego Maradona (e também o Pelé), Mussum, Seu Madruga, Chaves, Obama e recentemente o deputado federal Jean Wyllys (PSOL), todos nadaram de forma cômica ou com interesses diversos na pose clássica de Guevara.
Apesar de ser autor da imagem, Korda nunca cobrou pelo direitos sobre a imagem, apesar de não deixar que a mesma fosse usada certa vez em um anúncio de uma marca de Vodka. Korda era um comunista convicto e queria somente evitar a exploração comercial da imagem, dizendo aos repórteres: “Como defensor dos ideais pelos quais Che Guevara morreu, não me oponho à sua reprodução por aqueles que desejam difundir a sua memória e a causa da justiça social por todo o mundo.”
Por outro lado a família de Ernesto Guevara, nunca aceitou muito bem a banalização do rosto de Che. Em entrevista para o New York Times, a filha do argentino, Aleida Guevara, repudiou o uso abusivo e comercial da imagem do pai. A família também tentou deter a comercialização da imagem de Che de maneiras que consideram abusivas. A filha diz que recrutou advogados em Nova York a fim de processar empresas que abusam da imagem: “não para exigir indenizações, mas para pedir a suspensão do uso. Não estamos atrás de dinheiro”, disse Aleida. “Só queremos o fim do abuso. Ele pode ser uma pessoa universal, mas que respeitem sua imagem”.
O fato é que o uso e os possíveis abusos em cima da imagem histórica, fogem de qualquer controle ou critério. Seja para relembrar a memória e a luta do guerrilheiro ou para criticar a mesma história, a fotografia já é um patrimônio coletivo, já inspirou estátuas e memoriais por toda parte do globo. Esteve em pichações nas paredes em Maio de 68′ em Paris, na Revolta Árabe e até nas manifestações de 2013 no Brasil.
O criador de um mito
O autor do clique, apesar de ter retratado por diversas outras vezes Che Guevara e Fidel Castro, trabalhou durante toda a sua vida como fotógrafo. Nascido no ano de 1928 em Havana, capital cubana, Alberto Korda viveu de perto os anos de repressão e a vida boemia em Cuba, que tinha o titulo extra-oficial de “bordel americano” antes da Revolução em 1959.Korda começou a fotografar oferecendo seus serviços em festa de batismo, casamentos e aniversários. Algum tempo depois, abriu um estúdio em Havana onde passou a se dedicar à fotografia publicitária e do crescente mercado de moda. Declarou em uma entrevista que na época se dedicou a tal trabalho apenas para conhecer mulheres bonitas. O que de certo modo até funcionou, tendo em vista que o segundo casamento foi com uma modelo famosa no país.
Certo dia, Korda viu uma menina cubana fazendo uma saia improvisada de papel para vestir uma boneca, percebeu que o brinquedo nada mais era do que apenas um pedaço de madeira e, sensibilizado com aquela cena, resolveu unir-se ao ideal revolucionário socialista que projetava acabar com qualquer tipo de injustiça social. Assim sendo, apoiou inteiramente a derrubada do governo em 59 e acompanhou de perto a tomada de Havana, registrando imagens históricas daquele momento. Logo mais se tornou fotógrafo oficial de Fidel Castro e cobria todo tipo de evento público e social do comando revolucionário.
Korda, morreu aos 73 anos, em 25 de Maio de 2001 na cidade de Paris.
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