terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Índias sofrem com álcool, drogas e violência nas aldeias

Segunda reportagem especial mostra a realidade violenta em aldeias no interior.

Eunice Ramos / TVCA



  • Índia foi agredida pelo marido, mas decidiu dar uma nova chance a ele.


    • O álcool e as drogas estão presentes em muitas aldeias no interior do Estado. Juntando a isso a desestruturação familiar, a violência surge como uma consequência que tem penalizado aldeias inteiras. Confira na segunda reportagem da jornalista Eunice Ramos na série sobre a realidade indígena. Ontem, na primeira matéria, a repórter contou a história da índia que foi vendida por R$ 2 mil. Hoje, os relatos são de violência doméstica sofrida pelas índias no interior.

      Dourados: a saga de um povo
      Ainda abalados, seguimos para Dourados e mergulhamos em uma realidade ainda mais dura. São duas aldeias urbanas, a Jaguapirú e a Bororó, onde vivem cerca de 12 mil índios. A primeira que visitamos foi a Bororó, que fica à margem da rodovia MS-156. Seguimos na direção da casa do cacique César Isnardi. No caminho fomos surpreendidos por um grupo índios. Pedi algumas informações e descobri que aquelas pessoas estavam voltando do enterro de uma mulher. Fiquei assustada quando me contaram como ela morreu. Márcia Gomes Isnardi, de 21 anos, foi morta a pedradas.

      O irmão Arnaldo, contou que Márcia estava separada do marido e tinha um namorado. A polícia suspeita de crime passional, mas ainda não há provas que levem ao autor do crime.

      Arnaldo disse ainda que a irmã bebia muito, não só ela, mas a família toda. "Eu sou a única exceção. Depois que descobri Deus na minha vida, larguei as drogas e o álcool", disse. Fiquei surpresa com a sinceridade de Arnaldo e ali descobri que os problemas enfrentados por aquelas tribos eram muito maiores do que eu imaginava. E de fato a realidade nos mostrou isso! Na aldeia Jaguapirú a situação não é muito diferente.

      Violência contra as mulheres
      A maioria sofre calada. Poucas índias têm coragem de denunciar a violência. Muitas vezes o agressor é o próprio marido. É o caso da índia de 49 anos que vamos chamar de Juraci. Ela tem sete filhos. Alguns já estão até casados, mas ela ainda guarda as marcas do sofrimento ao lado do marido.
      Juraci se põe em prantos quando começa a relembrar o passado. Ela diz que apanhou muito. "Eu era espancada pelo meu marido com frequência. Se ele chegava em casa e a comida não estava pronta, já era motivo para eu apanhar. Foi muito sofrimento!".

      Há três anos Juraci resolveu reagir. Um pouco mais gorda e quase tão forte quanto o marido, revidou os tapas e empurrões e o expulsou de casa. "Demorou um tempo até que ele aceitou a separação, mas quando ele saiu de casa, eu entrei em depressão". Juracy ficou quase um ano chorando muito, não tinha vontade de levantar da cama e chegou a pensar se matar. Superou esta fase difícil com o apoio dos filhos e com o estudo das letras. Foi alfabetizada e hoje se orgulha em saber ler e escrever.


      Juraci foi agredida e expulsou o marido de casa. Depois, teve que enfrentar a depressão.
      Lei Maria da Penha

      Algumas índias, ainda que representem uma minoria, já descobriram que existem formas de se proteger da violência doméstica e procuram ajuda. Glória, de apenas 20 anos, cresceu vendo a mãe apanhar do pai. Em entrevista concedida com a condição de que não revelássemos a verdadeira identidade, ela conta que toda vez que o marido bebia ou fumava maconha chegava em casa muito agressivo. Casada há quatro anos, Glória diz que procurou a Delegacia da Mulher duas vezes e conseguiu se separar. O marido pediu desculpa e prometeu que as agressões não se repetiriam. Maria resolveu dar mais uma chance. "Só quero ser feliz, ter uma família, um futuro e ensinar o meu filho que ele deve respeitar as mulheres", argumenta.

      Já Beatriz de 24 anos não perdoou. Ela tem no rosto a marca da facada que levou do primeiro marido. "Ele disse que ia me deixar marcada porque se eu não fosse dele, não seria de ninguém", lamenta. Beatriz conseguiu se separar do agressor. Veio o segundo marido e as juras de amor se perderam em meio a novas brigas. Mais agressões e foi inevitável procurar a Delegacia da Mulher para reivindicar o "direito" de não apanhar. Beatriz está há um ano com o terceiro marido e quer aproveitar a trégua na violência para reconstruir a vida.
      Na Delegacia da Mulher de Dourados foram registradas no ano passado 897 denúncias de violência contra a mulher. No entanto, na hora de fazer os registros as funcionárias não separam as denúncias apresentadas pelas índias.
      A delegada titular Franciele Santana, que assumiu o cargo no ano passado, reconhece que o atendimento às mulheres indígenas vítimas de violência é precário. "O idioma, a falta de identificação das ruas dentro das aldeias e a dificuldade de acesso dificultam a aplicação de medidas protetivas para garantir o afastamento do agressor. Além disso, não temos como fiscalizar o cumprimento das medidas dentro da aldeia", justifica. Este atendimento precário, como classifica a delegada, desencoraja muitas índias na luta pelos diretos.

      De onde vem tanta violência?
      Em todos os relatos de violência que obtivemos em 17 dias de convívio nas aldeias de Dourados, o agressor havia consumido álcool e ou drogas. Para a nossa surpresa, além de maconha e cocaína, o crack, uma das drogas mais devastadoras do momento, já entrou nas aldeias.

      As autoridades têm conhecimento disso, mas se perdem em uma discussão de competência em vez de agir. A polícia militar não entra nas aldeias para fazer o policiamento preventivo sob o argumento de que as áreas indígenas são de responsabilidade do Governo Federal. Já a Polícia Federal só atua em casos extremos.

      O chefe do Departamento de Assuntos Indígenas da Polícia Federal, delegado Antônio Carlos Moriel Sanches, diz que a instituição não tem estrutura para manter um policiamento preventivo nas aldeias. Mas segundo ele está sendo feito um mapeamento da violência nas Reservas de Mato Grosso do Sul. "Com estes dados em mãos será possível criar estratégias para enfrentar este problema", pondera com delegado. O estudo está sendo realizado em parceria com a Funai. Um grupo de trabalho formado pelas duas instituições está percorrendo todas as aldeias do Estado para identificar as demandas dos índios.
      Enquanto as polícias civil, militar e federal se mantêm longe as aldeias, o tráfico de drogas aproveita a brecha. Segundo as lideranças, a grande maioria dos jovens que vivem nas duas aldeias consome álcool ou algum tipo de droga. "Sob o efeito destas porcarias, eles ficam muito violentos e fazem muita besteira", lamenta o vice-cacique da Aldeia Jaguapirú Leomar da Silva".
      Dona Janete diz que evita sair de casa até durante o dia por causa dos moradores da casa ao lado. Ela diz que eles estão sempre drogados e são agressivos. "Eles espancaram sem motivo o outra vizinha. Eu tenho muito medo e a gente não sabe a quem pedir ajuda".

      E não são só os rapazes que se drogam. Andando pelas ruas da aldeia num domingo à tarde encontramos uma menina de 14 anos. Ela nos contou que está acostumada a fumar maconha com os amigos e faz isso com frequência. Quando pergunto a ela o que espera do futuro, ela responde: "só tomar cerveja"!

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